Repare: os detalhes preciosos e significativos nas ilustrações de 'Tulipa'

22/09/2025

Tulipa (Pequena Zahar, 2025) é um livro para se decifrar por camadas, reparando em cada uma de suas delicadezas. Na história, Tulipa é o nome da melhor amiga da menina Júlia. Juntas, as duas brincam de rainhas, fazendo do quintal seu reino. Mas ali, o verdadeiro rei é o tio de Júlia, que ocupa o quartinho dos fundos. Ele é alguém diferente. Um alguém que tem uma linguagem própria, que não se encaixa no mundo dos adultos - e que, talvez, por isso, se comunique tão bem com Júlia. Tulipa fala sobre infância, sobre loucura e sobre o diálogo que pode ser criado na linguagem das miudezas, da imaginação, da falta de barreiras sociais.

Na entrevista em que a autora, Paula Schiavon, concedeu ao Blog Letrinhas para contar sobre os bastidores da criação do livro, ela compartilhou algumas preciosidades escondidas nas ilustrações, que tornam os detalhes ainda mais significativos. Aqui, revelamos esseas minúcias que podem até passar despercebidas, mas que tornam Tulipa um livro tão grandioso e carregado de simbolismo. Confira:

O quintal de Tulipa

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- Uma das primeiras pinturas que foi produzida para o livro é que mostra o quintal visto de cima. “Eu precisava entender onde é que a história se passava. É na tinta que eu encontro a essência da historia, a paleta, os personagens, o cenário. Foi ali que as meninas, Júlia e Tulipa, apareceram brincando", revela Paula.

quarto-tio-julia


- No quarto do tio também é possível reparar em cartas de tarô sobre a mesa que aparece em primeiro plano. Uma mostra o louco, uma carta que simboliza a espontaneidade e a liberdade de viver sua própria jornada. A outra é a carta do mago, que fala de imaginação, inventividade, originalidade - um poder que crianças e adultos que não seguem as normas compartilham.

- Aliás, o quarto do tio de Júlia foi inspirado no quarto do artista Vincent Van Gogh (1853-1890), que ele retrata na obra Quarto em Arles (1888), em referência à cidade francesa onde viveu. Van Gogh era esquizofrênico e foi afetado por delírios e episódios psicóticos durante boa parte de sua vida. Se tornou célebre, sendo considerado um dos pintores mais relevantes do século 19, apenas após sua morte. Passou pelo hospício de Saint-Paul-de-Mausole, período em que continuou pintando apesar da circulação limitada. Noite estrelada (1889), uma de suas obras icônicas,foi produzida durante sua internação. Em Tulipa, a cama amarela do tio de Júlia é igual à de Van Gogh.

- Júlia, a personagem principal, se parece muito com a autora quando criança - ainda que ela não ache que foi algo consciente. “As botas que a Júlia usa são como as que eu usava para ir brincar no quintal por causa das aranhas”, conta a autora.

- Sobre o tio, Paula revela: “Queria que ele tivesse um olho para lugar nenhum, que é um olho para dentro, de um mundo que ele enxerga, mas que não está aqui, não está em lugar nenhum. Soube que o havia encontrado quando cheguei a este retrato”. 

Os olhos para dentro do tio de Júlia em Tulipa

- A capa do tio de Júlia - com a qual ela o coroa como rei -, com os bordados, foi inspirada nos trabalhos de Arthur Bispo do Rosário (1911-1989), um artista visual brasileiro que sofria de esquizofrenia e passou por diversos hospitais psiquiátricos durante décadas. Se tornou célebre por seus bordados, com os quais escrevia em estandartes e fragmentos de tecidos. O castelo feito com caixinhas de leite pelo tio, também foi inspirado no tipo de trabalho produzido pelo artista. 

(Texto: Naíma Saleh)

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