
18 frases de Manoel de Barros para celebrar sua poesia
Confira trechos de obras do poeta das infâncias, que deixou um legado de quatro livros infantis e outros 14 para crianças de 0 a 100 anos, publicados pelos selos da Companhia das Letras
Existe toda uma poesia ao redor da infância. É uma fase em que o tempo parece passar mais devagar. Em que os dias são cheios de descobertas. Em que a linguagem da brincadeira pode expressar bem mais do que palavras. Mas a infância é também um período árduo - as descobertas do mundo e de si trazem encanto, mas também medo, insegurança e frustração. Crescer é bonito, mas não é fácil. As crianças estão entendendo as regras de convivência, tecendo relações, e, no meio de tudo isso, construindo sua própria identidade. Tudo é novo. E muitas vezes, nós adultos esquecemos o tamanho do desafio que é viver as tantas primeiras vezes que a infância traz.
Bibo cresceu! E agora já tenta se vestir sozinho. Embora nem sempre consiga...
O coelhinho Bibo que o diga. No quinto livro da série, Bibo cresceu, mas só um pouquinho (Brinque-Book, 2025), de Silvana Rando, o coelho pequenino já não é assim tãaaao pequenino... Aliás, cresce um tantinho mais a cada dia. Ele já sabe expressar bem suas vontades. Sabe escovar os dentes sozinho e também se vestir - mesmo que às vezes precise de uma ajudinha. Acompanhando um dia na rotina de Bibo, somos espectadores de conquistas, descobertas e também de frustrações. O xampu que entra no olho durante o banho ou a amiga que tropeça e cai são pequenos eventos que, para uma vidinha que está só começando, ganham outras proporções… e levam o coelhinho às lágrimas no final do dia.
Esses acontecimentos aparentemente banais, mas que afetam Bibo profundamente, ilustram um pouco da dor de crescer - de conquistar autonomia, de desenvolver a empatia e o afeto, de lidar com dificuldades que fazem parte da vida. Mas nós, como adultos, nos esquecemos de como crescer pode ser desafiador - e doer. Sim, nos falta muitas vezes um bocado de empatia pelas crianças.
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Para a psicóloga e psicanalista Elisa Motta Iungano, da Entrelaces Psicologia (SP)no geral, a visão que se tem sobre a infância - e, consequentemente, sobre as crianças - é muito polarizada. “De um lado, há uma romantização dessa etapa, que fala de uma idealização, de um encantamento que passa longe da realidade e que coloca a criança como um ser que não pode ser maculado”, explica. Ou seja, uma ideia de criança como um ser que é só alegria e pureza e que praticamente não faz parte desse mundo.
Do outro lado, há quem veja a infância e as crianças com um certo desprezo. “Tem uma visão absolutamente rígida e talvez até violenta da criança como um ser sem disciplina, sem civilização, sem aquele verniz social”, explica Elisa. Para entender melhor essa segunda perspectiva, basta reparar como vira a mexe pipocam notícias por aí sobre lugares que proíbem a entrada de crianças, sobre passageiros que se queixam do choro de um bebê em um voo longo - é como se a criança fosse um ser de certa forma inconveniente e indesejado, um cidadão de segunda categoria.
Embora a literatura olhe a infância com poesia, Elisa faz questão de explicar que isso não é o mesmo que romantizar a infância. “O romantizado é longe da realidade. Agora o poético, não. A infância é um período muito próprio, além das palavras. Então, talvez a linguagem poética como a da literatura chegue muito mais próxima da infância do que a teórica, a racional. Muitas vezes é no simbólico que a gente consegue acessar os desafios da infância”, observa.
Mas, então, o que nos aproxima de uma visão mais real da infância? Para Elisa, precisamos olhar para as crianças sobretudo como seres em desenvolvimento. “Elas realmente ainda são muito pulsionais. Quanto mais crescem, vão se adaptando às regras, normas e começando a fazer parte daquilo que a gente entende por vida em comunidade. Mas no começo é muito difícil. Para pertencer, ela precisa da adaptação total dos outros”, explica.
Viver na infância, como um período com tantos aprendizados e descobertas, pode despertar sentimentos difíceis de lidar para as crianças - que despontam em choro, gritos, pontapés. Explosões de raiva às vezes difíceis de manejar. Ou o contrário também: há expressões de alegria e vibração que também não costumam ser bem-recebidas pelos adultos. Quando a criança fala alto demais, quando corre pelos corredores do supermercado, quando para para olhar uma joaninha no caminho da escola mesmo quando vocês já saíram atrasados. A grande questão é: como nós, adultos, podemos entender e acolher esses comportamentos e ser mais empáticos com todas as experiências inéditas vivenciadas pelas crianças?
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Bibo está tão grande que faz até aula de natação! Como o tempo passa...
Sim, muitos adultos têm dificuldade de acolher as reações das crianças com empatia. E isso também se justifica por uma visão de infância que nós herdamos como sociedade. Na Idade Média, as crianças eram vistas como “adultos em miniatura” - não se entendia que eram seres ainda em desenvolvimento, que precisavam de amparo e proteção. Tanto que elas rapidamente passavam a integrar o mundo dos adultos e trabalhavam lado a lado com gente grande. A taxa de mortalidade infantil era altíssima - e assim seguiu até o início do século XX. Nas famílias mais vulneráveis e com muitos filhos era comum metade da prole falecer na infância ou adolescência. Esse cenário mudou - ainda bem! - com a garantia de saneamento básico, a difusão de antibióticos e a ampliação da vacinação - por isso é tão importante que esses direitos básicos sejam garantidos a todas as infâncias.
Mas em um mundo em que as crianças morriam muito fácil, a psicóloga Nanda Perim, do perfil @psimamaa, explica que “nós humanos aprendemos a desapegar emocionalmente das crianças. Para nos protegermos da dor, as crianças eram vistas como seres inferiores e até naturalmente ruins”. Há resquícios dessa visão ainda hoje. Quem nunca ouviu uma criança ser chamada de “egoísta” ou “manipuladora” por reivindicar aquilo que é direito dela? Por querer colo, afeto, atenção? Para Nanda, essa visão histórica e cultural que de certa forma herdamos sobre a infância faz os adultos enxergarem a criança de uma forma muito pesada e negativa, sendo muito reativos e interpretando comportamentos normais como se a criança agisse com má-intenção. “E isso naturaliza a maldade contra criança. O adulto pode isolar uma criança no canto, pode beliscar, pode humilhar, pode ignorar se ela estiver chorando ou se ela estiver gritando. Se a criança estiver sofrendo, o adulto pode dizer para ela que não doeu quando na verdade está doendo. São vários desrespeitos sistêmicos tão enraizados na nossa cultura que passam despercebidos como algo muito natural”, explica Nanda.
Agora, imagine só: você é pequeno. Ainda não tem maturidade para controlar impulsos e tomar boas decisões. Mas você é cobrado o tempo inteiro para conseguir fazer isso. E quando não consegue, você é taxado de ruim, de mal-comportado, de ser uma criança difícil. “Ser criança é muito frustrante porque o tempo inteiro você deseja coisas, você quer mexer com coisas, brincar com coisas, fazer coisas que não são permitidas. Ao mesmo tempo, você não quer fazer coisas que precisam ser feitas. Não quer ir dormir, não quer ir tomar banho, não quer comer naquela hora, não quer ir para a escola. Da perspectiva da criança, é tudo muito desafidor”, explica Nanda. E quando a criança não tem nem o direito de manifestar tristeza, raiva ou frustração, fica tudo mais difícil ainda.
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Sim, crescer é legal. Mas também pode ser difícil e muito cansativo, como nos lembra Bibo
Como se não bastassem os conflitos que as crianças vivem com o que faz parte da rotina - comer, tomar banho, ir à escola - a infância ainda é uma fase de estreias. Em Bibo cresceu, mas só um pouquinho, o coelhinho vai com a mãe ao dentista - ao que parece, pela primeira vez! Apesar de ser ajudante e abrir bem a boca para o doutor Gregório, Bibo também sente certo estranhamento pela situação. Bibo ficou calmo. Mas nem toda a criança fica. Essas primeiras vezes vivenciadas na infância podem despertar nas crianças medo, desconfiança, desconforto, mesmo que para os adultos não se trate de um grande acontecimento. Estamos falando de situações aparentemente banais, desde estar no mesmo ambiente de uma pessoa desconhecida, provar uma comida nova, ir a uma festa grande, ou até dormir sozinho(a) na casa da vovó ou de um amigo pela primeira vez. Uma situação inédita é algo desconhecido.
Para tentar tornar essa experiência menos desafiadora, para algumas crianças é importante oferecer uma certa previsibilidade. “Por exemplo, você diz à criança: ‘hoje nós vamos na casa da vovó. Lá, pode ser que tenha alguém que você não conhece, você vai falar oi, ou você pode ficar no quarto se tiver com vergonha”, exemplifica Elisa. Ela ressalta, porém, que nunca dá para saber tudo o que a criança vai enfrentar. “A gente não pode achar que precisa prever tudo para poder ficar tranquilo. Ou que a criança vai precisar ter todo esse roteirinho. Claro que se a gente estiver falando de uma criança no espectro do autismo, que tem uma rigidez maior, pode ser especialmente importante mapear algumas situações. Mas se você tratar de uma criança típica, ela provavelmente vai ter alguma flexibilidade para lidar com um tanto de imprevisto, porque acontece”, alerta. Isso vale tanto para coisas pequenas, quanto para coisas grandes: de perder um brinquedo a precisar lidar com um luto de alguém da família. “Tem pais que ficam realmente muito desesperados quando a criança reage mal a uma frustração. Mas às vezes, cabe a eles consertar um pouquinho a realidade. Cabe a eles dizer: ‘olha, acontece. Já aconteceu comigo, acontece com todo mundo, e você vai superar isso’ e dar um pouco de acolhimento para o que ela estiver sentindo”, recomenda Elisa.
Mas a principal recomendação dela para pais e cuidadores, tanto para lidar com essa ansiedade sobre situações novas quanto para outras experiências que podem ser desafiadoras para as crianças é “oferecer apoio entrando no estado de empatia, mas sem se misturar.” Na prática, a ideia é manter-se aberto, estar sensível para aquilo que a criança está vivenciando, entendendo que para ela aquilo é grande, que é importante. Porém, sem estar sentindo aquilo do mesmo tamanho que a criança sente. “Porque senão, você se mistura e não consegue também dar para a criança a perspectiva de que aquela situação vai passar”, esclarece Elisa. E o conselho não vale só para situações difíceis, não. Dormir na casa de uma amigo é uma experiência que pode gerar ansiedade por ser uma situação gostosa, que a criança quer vivenciar, mas ao mesmo tempo gera certa angústia, porque ela vai estar longe dos pais para viver isso. Se os pais também ficam angustiados, achando que a criança não vai dar conta dessa separação, a criança também não sente confiança para poder se afastar. “O adulto precisa estar sensível para entender a necessidade daquela criança - é dessa empatia que ela precisa”, diz Elisa. Ás vezes, a criança precisa de um empurrãozinho, precisa ouvir: ‘pode ir, vai dar tudo certo!’. Outras vezes, ela precisa de orientação ou de combinados antes de poder viver determinada experiência. Não há um roteiro pré-pronto.
A primeira vez da criança também talvez seja também a sua primeira vez naquela situação. E vocês dois precisam ser acolhidos.
(Texto: Naíma Saleh)
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