7 poemas de Jarid Arraes em "Caminho para o grito"

02/10/2025

Para este post, Jarid Arraes selecionou sete poemas de seu novo livro Caminho para o grito. Nesta obra, uma das vozes mais potentes da literatura brasileira contemporânea rompe o silêncio para abordar um tema doloroso: o abuso sexual, a pedofilia e as marcas profundas que carregam consigo.

Dividido em três partes que acompanham o processo de amadurecimento – da infância vulnerável à maturidade reflexiva –, Caminho para o grito constrói um percurso íntimo de elaboração do trauma, em que cada verso se torna um passo em direção à libertação.

os ponteiros

o tempo contado

na passagem

do medo


pequena a

inda não sabe

dizer as horas


sabe do tempo

que corre

e que se morre

deixando

se espatifarem

as lágrimas


sabe

que o tempo falha

e que às vezes

seu assombro

vem na madrugada


sem lençóis

que a protejam

o tempo então

finalmente para

***

o silêncio do sol

uma mão me toca

eu encolho

pequeno verme de inocência

sou parasita

de bruços sobre a cama


me alimento do meu medo

das pernas de menina

do universo

de repente

modificado


nunca mais

reconhecerei aquela garota

criança dedilhada no escuro


e pior seria

se fosse dia

e estivesse claro

***

condicional 

como se captura

o instante

em que nos sentimos

libertas


eu tinha

treze anos

quando imaginei

a liberdade


e me pergunto

aos trinta e três

se uma mulher

pode

ser livre


se pode

arrepender-se

manchar a própria

honra

perder o rumo

trancar os olhos

tirar leite da pedra

que obstrui o seio


se uma mulher

pode ser livre

aos trinta

ainda arrastando

a ingenuidade

dos treze

***

ampulheta

que tivesse dito ontem

tempo de coisas ditas

hoje eu deixo cada sílaba

sibilo solto

voar por cima


tem dia que dura

dois dias

e depois nunca mais

pode durar


o prazo das frases

vai se acabando

e depois

não adianta

é perdido o esforço

de juntar

 ***

agitar uma bandeira 

onde são presas

as tolas as fracas

as fortes as vontades


quando presas

pisamos na terra

da igualdade


***

vênus de willendorf 

admiro

as mulheres fracas

que gotejam

o sangue atemporal

e caladas

expelem corredeiras


quase morrem

quase matam

as mulheres

fracas

serão sempre

as primeiras

***

anatomia

o corpo

conhece a rebeldia

e o sangue

é correnteza

de irreverências


o corpo

é eterna iconoclastia

suporta as marés

bravias

dança sobre espinhos

uiva

enquanto é dia


o corpo

conhece seus instintos

a fuga a luta

o abrigo

o corpo faz

da necessidade

o caminho perfeito

para o grito

***

Jarid Arraes nasceu em Juazeiro do Norte, na região do Cariri (CE), em 1991. Escritora, cordelista e poeta, é autora dos livros Um buraco com meu nome, As lendas de Dandara e Heroínas negras brasileiras. Atualmente vive em São Paulo, onde criou o Clube da Escrita Para Mulheres. Tem mais de 70 títulos publicados em Literatura de Cordel. Redemoinho em dia quente (Alfaguara) ganhou o prêmio APCA de Literatura na Categoria Contos/Crônicas.

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