
“Niketche — uma história da poligamia” é uma dança de mulheres que reinventam o amor, a lei e a vida
Em fábula realista, escritora moçambicana enfrenta as dores de uma tradição patriarcal com a união entre mulheres
Para este post, Jarid Arraes selecionou sete poemas de seu novo livro Caminho para o grito. Nesta obra, uma das vozes mais potentes da literatura brasileira contemporânea rompe o silêncio para abordar um tema doloroso: o abuso sexual, a pedofilia e as marcas profundas que carregam consigo.
Dividido em três partes que acompanham o processo de amadurecimento – da infância vulnerável à maturidade reflexiva –, Caminho para o grito constrói um percurso íntimo de elaboração do trauma, em que cada verso se torna um passo em direção à libertação.
os ponteiros
o tempo contado
na passagem
do medo
pequena a
inda não sabe
dizer as horas
sabe do tempo
que corre
e que se morre
deixando
se espatifarem
as lágrimas
sabe
que o tempo falha
e que às vezes
seu assombro
vem na madrugada
sem lençóis
que a protejam
o tempo então
finalmente para
***
o silêncio do sol
uma mão me toca
eu encolho
pequeno verme de inocência
sou parasita
de bruços sobre a cama
me alimento do meu medo
das pernas de menina
do universo
de repente
modificado
nunca mais
reconhecerei aquela garota
criança dedilhada no escuro
e pior seria
se fosse dia
e estivesse claro
***
condicional
como se captura
o instante
em que nos sentimos
libertas
eu tinha
treze anos
quando imaginei
a liberdade
e me pergunto
aos trinta e três
se uma mulher
pode
ser livre
se pode
arrepender-se
manchar a própria
honra
perder o rumo
trancar os olhos
tirar leite da pedra
que obstrui o seio
se uma mulher
pode ser livre
aos trinta
ainda arrastando
a ingenuidade
dos treze
***
ampulheta
que tivesse dito ontem
tempo de coisas ditas
hoje eu deixo cada sílaba
sibilo solto
voar por cima
tem dia que dura
dois dias
e depois nunca mais
pode durar
o prazo das frases
vai se acabando
e depois
não adianta
é perdido o esforço
de juntar
***
agitar uma bandeira
onde são presas
as tolas as fracas
as fortes as vontades
quando presas
pisamos na terra
da igualdade
***
vênus de willendorf
admiro
as mulheres fracas
que gotejam
o sangue atemporal
e caladas
expelem corredeiras
quase morrem
quase matam
as mulheres
fracas
serão sempre
as primeiras
***
anatomia
o corpo
conhece a rebeldia
e o sangue
é correnteza
de irreverências
o corpo
é eterna iconoclastia
suporta as marés
bravias
dança sobre espinhos
uiva
enquanto é dia
o corpo
conhece seus instintos
a fuga a luta
o abrigo
o corpo faz
da necessidade
o caminho perfeito
para o grito
***
Jarid Arraes nasceu em Juazeiro do Norte, na região do Cariri (CE), em 1991. Escritora, cordelista e poeta, é autora dos livros Um buraco com meu nome, As lendas de Dandara e Heroínas negras brasileiras. Atualmente vive em São Paulo, onde criou o Clube da Escrita Para Mulheres. Tem mais de 70 títulos publicados em Literatura de Cordel. Redemoinho em dia quente (Alfaguara) ganhou o prêmio APCA de Literatura na Categoria Contos/Crônicas.
Em fábula realista, escritora moçambicana enfrenta as dores de uma tradição patriarcal com a união entre mulheres
Confira cena bônus entre Emmy e Luke, protagonistas de "Feita pra mim", livro 1 da série Fazenda Rebel Blue
Sem jamais perder de vista a poesia, primeiro romance da autora Paulina Chiziane traz a resistência do desejo feminino e a luta por amor e liberdade