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Sem jamais perder de vista a poesia, primeiro romance da autora Paulina Chiziane traz a resistência do desejo feminino e a luta por amor e liberdade
Quantas lutas podem carregar as mulheres ao redor do mundo? - Como afirma a personagem do romance Balada de Amor ao vento, de Paulina Chiziane: “Com a poligamia, com a monogamia ou mesmo solitária, a vida da mulher é sempre dura”. Mas ao ler o seu primeiro romance, logo entendemos que, apesar das semelhanças na raiz de suas dores, as mulheres dentro de suas culturas enfrentam diferentes manifestações da soberania masculina. A narrativa não fala de um feminismo importado de moldes ocidentais, mas um feminismo enraizado na experiência vivida das mulheres moçambicanas, que carregam muitas particularidades, resistindo tanto às tradições opressivas quanto às estruturas coloniais e pós-coloniais.
A autora Paulina Chiziane nos convida a mergulhar nas contradições do amor, da tradição e da condição feminina através da trajetória de Sarnau. A jovem, inserida em uma cultura onde o amor é confundido com posse, e onde o desejo feminino é desautorizado, se apaixona por Mwando, que estuda para ser padre, mas acaba correspondendo à paixão. Sarnau e Mwando vivem uma história de amor, com muitos encontros e desencontros.
Publicado em 1990, Balada de Amor ao Vento surge em um momento crucial da história de Moçambique: o país havia conquistado a independência de Portugal em 1975, mas viveu os efeitos devastadores de uma guerra civil (1977–1992), marcada por conflitos políticos, miséria e instabilidade. Neste cenário de reconstrução nacional, na década de 90, emergem vozes literárias que procuram repensar não apenas a identidade moçambicana, mas também o lugar das mulheres dentro de uma sociedade ainda profundamente patriarcal. É nesse contexto que Chiziane escreve esse romance, no qual a experiência feminina ocupa o centro do discurso literário.
Nascida em 1955, na província de Gaza, Chiziane estudou Letras e dedicou-se desde cedo à militância social. Seu trabalho literário é marcado por uma crítica profunda às desigualdades de gênero, às estruturas de poder e às heranças do colonialismo. Ela cresceu entre duas culturas: a rural, marcada por costumes tradicionais e pela oralidade, e a urbana, escolarizada, influenciada pela colonização portuguesa. Essa duplicidade cultural está presente em toda a sua obra, refletida nas tensões entre tradição e modernidade, entre silêncio e expressão, entre obediência e ruptura. Em Balada de Amor ao Vento, essas tensões são encarnadas em Sarnau, que tenta conciliar o seu desejo de ser amada e o de ter liberdade e dignidade.
Poligamia e Patriarcado
O romance pode ser lido como uma crítica contundente à poligamia, prática tradicional culturalmente aceita em partes de Moçambique, é questionada por Chiziane a partir da perspectiva das mulheres envolvidas. A autora não se limita a julgar costumes, mas oferece uma análise de como essas práticas moldam subjetividades femininas marcadas pela submissão, pelo ciúme, pelo silenciamento e pela perda de identidade, como quando a personagem Sarnau se casa e recebe conselhos de uma velha tia: “Sarnau, o lar é um pilão e a mulher o cereal. Como o milho será amassada, triturada, torturada, para fazer a felicidade da família. Como o milho suporta tudo, pois esse é o preço da tua honra”.
Após ser abandonada por seu grande amor, Mwando, Sarnau é escolhida para ser esposa de Nguila, herdeiro do rei de seu território. Se casa, pensando encontrar amor, fortuna e privilégios, mas logo se depara com o desafio de dividir seu marido com outras mulheres. ”Meu marido está ao lado de outra mulher mesmo na minha cama, sorriem, suspiram envoltos nas minhas capulanas novas, meu Deus, eu sou cadáver, eu gelo, abre-te terra, engole-me num só trago, Sarnau, o teu homem é o teu senhor. Quando ele dormir com a tua irmã mais nova mesmo debaixo do seu nariz, fecha os olhos e a alma, porque o homem não foi feito para uma mulher”.
Apesar dos inúmeros conselhos que recebe de sua sogra, Sarnau não consegue se acostumar com a poligamia do marido. “Sinto-me tão só e abandonada. Ainda há quem inveje minha posição, pois dizem que sou rainha, mas que grande decepção. De que vale usar braceletes de ouro, capulana de luxo, ornamentar-me como um pavão, quando nem sequer tenho ar para respirar?”. Após dar à luz a duas meninas, ela passa anos sem ser tocada pelo marido, que encontra em Phati, sua quinta esposa, o interesse sexual que não tem mais por Sarnau. As duas se tornam rivais e trocam feitiços, trazendo à tona como o sistema poligâmico pode ser nocivo para as mulheres, que brigam entre si, sem perceber que este é o cenário ideal para manter o poder sobre suas vidas nas mãos dos homens.
Ao final da narrativa, Sarnau e Phati precisam deixar que o pior aconteça para que vejam que só a reconciliação torna-as livres. Neste momento, Sarnau já não busca mais o amor de Mwando e de nenhum homem, mas sim a reconexão consigo mesma e com a sua terra. A dor vivida se transforma em sabedoria — e a solidão, antes vista como maldição, se revela como uma forma de renascimento. A autora constrói personagens femininas complexas, que não são apenas vítimas, mas também protagonistas de sua própria história.
Natureza e oralidade
A linguagem do romance também se destaca por sua força simbólica. Chiziane faz uso de uma escrita intensamente lírica, repleta de metáforas ligadas à natureza e ao ambiente moçambicano. A terra, o vento, as estações, os animais e as paisagens rurais funcionam como espelhos do estado emocional das personagens. O vento, presente no título, evoca as forças imprevisíveis do amor, do destino e da transformação. Essa fusão entre natureza e emoção imprime ao texto uma oralidade típica da tradição africana, aproximando a literatura da ancestralidade e da cultura popular, como quando Sarnau descreve seus encontros com Mwando:
“Emudecemos de repente. As mãos encontraram-se. Veio o abraço tímido. Trocamos odores, trocamos calores. Dentro de nós floresceram prados. Os pássaros cantaram para nós, os caniços dançaram para nós, o céu e a terra uniram-se ao nosso abraço e empreendemos a primeira viagem celestial nas asas das borboletas”.
As repetições, os diálogos internos, os monólogos líricos de Sarnau compõem uma escrita marcada por ritmo, intensidade e ancestralidade, que conferem à obra uma musicalidade quase ritualística, como uma prece ou lamento coletivo.
Balada de Amor ao Vento vai muito além de um enredo romântico. É uma denúncia, uma metáfora e uma balada triste que ecoa a dor de muitas mulheres silenciadas. Chiziane convida o leitor a ouvir essas vozes, a compreender os dilemas femininos em um país marcado por contradições históricas e culturais, e a refletir sobre as formas possíveis de libertação. A força da obra está em sua capacidade de tocar questões universais — o amor, o abandono, a busca por dignidade — a partir de uma perspectiva africana, feminina e profundamente humana.
Texto por Anna Luiza Lima Guimarães.
Balada de Amor ao Vento está entre as obras indicadas para o vestibular da FUVEST 2026.
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