
Pedagogia da Poesia
Neste dia dos professores, André Gravatá presenteia os educadores com um texto-inspiração que homenageia a poesia que faz parte de aprender e de ensinar - e que é capaz de transformar a escola!
A leitura entrou na vida da professora Juliana Marques graças a seu pai. Tanto pelas histórias que ele lia para ela quanto pelas histórias que ele lia para ele mesmo - e contava para ela depois. “Eu fui uma criança que leu Turma da Mônica, Monteiro Lobato… Mas eu gostava é de ouvir meu pai falar do que ele lia. Tinha 5 ou 6 anos quando ele me contou sobre Papillon [romance escrito por Henri Charrière em 1969], me falava dos livros do Sidney Sheldon… Tenho certeza que foi isso que me motivou a ler”, lembra. O pai de Juliana não é mais um leitor, não lê há muitos anos, mas a leitura continua sendo uma ponte de conexão com ele até hoje.
Essas trocas entre eles, que a marcaram tão profundamente, ofereceram a Juliana a possibilidade de entender desde cedo que a leitura pode e deve ir além do livro, se tornando assunto e fazendo parte do dia a dia - uma estratégia que ela utiliza com propriedade como professora de Sala de Leitura e nas redes sociais, com o perfil do Instagram @literaturapravoar, onde oferece curadoria literária e organiza grupos de estudo e formações para professores. “Tudo o que a gente consegue oferecer colocando o livro como parte da vida já é uma estratégia para a leitura”, defende a educadora.
A professora Juliana no meio de sua grande paixão: os livros ilustrados
Se o pai a apresentou à leitura foi a arte quem a puxou para a literatura infantil - mais especificamente para os livros ilustrados. Formada em Letras, Juliana não tem nenhum título em Artes, mas sempre foi fascinada por esse universo. “ Quando eu fui para a escola, depois de me formar professora, me deparei com o universo maravilhoso e gigantesco da literatura infantil. Eu sempre gostei de exposições, sempre fui à Bienal, mas nunca tive uma formação ou muitas referências. Ganhei de aniversário em 2010 a trilogia da margem da Suzy Lee (Onda, Sombra, Espelho - todos publicados pela Companhia das Letrinhas) e fiquei completamente apaixonada - os livros ilustrados são a minha grande paixão. Para mim é como buscar a arte nos livros”, conta.
LEIA MAIS: Projeto Bonde das estrelas: a mediação de leitura como experiência coletiva de afeto
Em uma escola pública da zona leste de São Paulo (capital), Juliana dá aulas para crianças do 1º ao 9º ano do Fundamental na Sala de Leitura, durante uma hora por semana. “É um espaço em que eu faço a mediação de leitura, onde os alunos podem pegar nos livros, podem escolher o que querem levar emprestado. Não é uma leitura didatizante”, explica. O Programa Salas e Espaços de Leitura faz parte do currículo municipal das escolas de São Paulo (capital), com o objetivo de oferecer tempo e espaço para a fruição dos livros, dentro de uma abordagem da leitura como uma necessidade humana, não apenas para aprender algo nem apenas por puro prazer, mas por experiências que aconteçam nesse caminho do meio.
A minha tarefa é botar o livro na mão do estudante. Um livro na estante é só um livro na estante. Mas vou contar: não há uma vez em que conte uma história e pelo menos uma das crianças não queria ver o livro que eu li logo depois” Juliana Marques, professora de sala de leitura
Para o trabalho que desenvolve na Sala de Leitura, Juliana tem um planejamento de temas a serem percorridos ao longo do ano, pensando em um percurso literário a partir dos livros que podem ser apresentados. Para o primeiro trimestre, ela normalmente escolhe um grande tema, mais engajador e compartilhado por todas as turmas, partindo do conhecimento que ela tem das leituras e dos estudantes. “Ano passado comecei com o tema ‘mar.’ Os alunos maiores gravaram os livros para os pequenos ouvirem, fizemos grandes aquarelas. Este ano, eu comecei com dinossauros - que é um tema que alunos de todos os anos amam”, conta. Já o segundo e o terceiro trimestres são mais de escuta para decidir os temas que vão conectar as leituras. “Dentro do que eles escolhem, tento encontrar um equilíbrio entre o que eles querem ler e aquilo em que eles não chegariam sozinhos, mas que eu posso apresentar. A Sala de Leitura faz o papel belíssimo de dar acesso aos livros e permitir que os alunos estejam ali”, explica Juliana.
A organização dos livros que faz parte da vivência na Sala de Leitura
Além de oferecer essa hora de contato com livros e histórias semanalmente, ela também desenvolve outros projetos paralelos previstos no escopo do programa. Ela já organizou cursos de escrita criativa, cineclube, e atualmente conta com um grupo de mediadores de leitura. “Abro a inscrição no começo do ano, para alunos de 12 a 15 anos, que se reúnem uma vez por semana para pensar possibilidades de mediações. Eles contam histórias para os alunos menores, refletem sobre como apresentar os livros. Eles ajudam com acervos, organizam as prateleiras de livros, fazem o que for preciso”, explica.
LEIA MAIS: "Se a gente quer promover o encontro do livro com o leitor, a gente precisa estar junto"
Juliana observa como tanto o projeto de mediação quanto a experiência na Sala de Leitura em si têm o poder de formar esses coletivos, de fortalecer grupos e de abrir espaço para que os livros motivem novas pautas além da leitura - algo muito conectado com sua experiência pessoal. “Eu tive muita sorte, porque quando era estudante tinha um amigo leitor, o Douglas, e a leitura era para nós uma linha de possibilidade de conversa. Tinham outras pessoas de quem eu gostava muito com quem eu também mantinha essa troca constante sobre leituras, em que nos recomendávamos livros, comentávamos as histórias - e acredito que isso me manteve leitora. Michele Petit em A arte de ler: ou Como resistir à adversidade (Editora 34), defende justamente que a conversa, a possibilidade de trocar sobre os livros é algo que nos mantém leitores”, observa.
Apesar de se orgulhar desse trabalho de formação de comunidade na Sala de Leitura, ela ressalta que a responsabilidade pela formação de leitores não deve recair apenas sobre as escolas. “A gente precisava ter mais bosques de leituras, mais livros em ambientes culturais e não culturais. As crianças gostam de olhar os livros, mas se eles não estão à mão, o livro deixa de ser uma possibilidade", reflete.
Uma das estratégias que ela defende para incentivar a formação de novos leitores é justamente fazer o livro presente e acessível em todos os lugares. “Eu sempre deixo na minha mesa um livro que eu estou lendo para as crianças verem. E elas param e me perguntam sobre o que é - e eu conto, como meu pai fazia comigo. É essa conversa que faz com que as crianças voltem a me procurar e a procurar os livros”, diz a professora.
O livro está dentro da nossa relação de afeto e aprendizagem, mesmo quando a gente não lê”, Juliana Marques
Juliana reconhece que ela mesma não se manteve leitora em todos os momentos da vida, como nos anos que sucederam o nascimento de seu filho, João, hoje com 7 anos. Ainda assim, as conversas, as referências, as histórias lidas continuaram com ela, alimentando ideias, conversas, lembranças.
Crianças segurando Bárbaro (Companhia das Letrinhas, 2013), de Renato Moriconi
Juliana já havia criado o perfil @literaturapravoar como uma forma de dar visibilidade ao acervo da escola antes da pandemia. Mas foi durante o período de isolamento social, que manteve as crianças e os professores afastados da escola durante o ano de 2020 quase inteiro, que a página ganhou ainda mais relevância. “Quando eu me tornei efetivamente professora da Sala de Leitura, pensei: ‘eu preciso colocar os livros bons para serem vistos pelos estudantes’. E aí veio a pandemia e o perfil que eu criei com o intuito de mostrar essas obras acabou se tornando o principal canal para falar de leitura com os estudantes”, lembra.
Hoje, ela compartilha no perfil estratégias para formação de leitores, e ainda posta listas e indicações de livros, uma ideia que surgiu justamente no primeiro contato que ela teve com uma Sala de Leitura. A primeira escola em que Juliana trabalhou estava sendo reformada e por isso todos os livros estavam em caixas. Organizá-los levou meses e envolveu a educadora em um processo intenso, em que ela se viu obrigada a ler e organizar as obras em grandes planilhas, selecionando aquelas de maior qualidade. Essa curadoria é uma parte essencial do trabalho dela. “Acho um abuso manter livros ruins com o tanto de livros incríveis que existem. É claro que é sempre preciso garantir uma diversidade, mostrar referências diferentes dentro de um parâmetro de qualidade literária e estética. A gente precisa enaltecer a inteligência das crianças que estão dentro da escola e do professor também. Para mim o livro tem tudo a ver com isso”, conclui.
(Texto: Naíma Saleh)
Neste dia dos professores, André Gravatá presenteia os educadores com um texto-inspiração que homenageia a poesia que faz parte de aprender e de ensinar - e que é capaz de transformar a escola!
Ler de forma coletiva. Transformar a experiência literária em uma vivência autoral. O projeto expande o conceito de acesso aos livros e dá voz às crianças
Conheça os títulos dos selos infantis da Companhia das Letras que vão receber o selo de Altamente Recomendável