A diversidade que desenha o novo retrato da literatura infantil

16/07/2025

Sim: a literatura infantil está de cara nova. E os lançamentos mais recentes dos selos infantis do Grupo Companhia das Letras  são um retrato dessa mudança. Azul Haiti, Bateção, Maqueira de Tucum, Quem limpa?, O artivista, Luanda no terreiro. … O que elas têm em comum? 

Todas apresentam um olhar mais fresco (e legítimo) sobre o mundo - e suas imensas desigualdades. Seja na experiência de imigração retratada em Azul Haiti ou na divisão desigual das tarefas domésticas, mostrada de forma instigante em Quem limpa? São livros que têm em sua essência a diversidade, que observam o mundo pelo olhar das minorias, dos oprimidos, de quem antes não tinha espaço para contar suas próprias histórias Todos de alguma forma militam por um mundo mais justo para todos - seja usando a arte para promover mudanças, como faz O artivista, ou abordando preconceitos de forma direta, como em Luanda no terreiro, que evoca o debate sobre intolerância religiosa. Alguns se apoiam em memórias e pertencimento, trazendo uma outra lógica de contar histórias como acontece em Bateção, onde o silêncio também faz parte da narrativa e o rio se torna personagem principal. Ou ainda em Maqueira de tucum, onde o próprio ato de contar histórias puxa o fio que conecta toda uma tradição. 

Ilustração de 'Maqueira de tucum'

A poética resgata a tradição de contar histórias em Maqueira de tucum (Pequena Zahar, 2025)

 

Revisitamos algumas das principais entrevistas que fizemos na primeira metade de 2025, com autores e especialistas que são o retrato dessa diversidade que vem deixar a literatura mais plural, mais democrática, mais inclusiva, mais rica. Pelas falas deles, é possível esboçar a nova paisagem onde se constrói, aos poucos, uma literatura que abraça visões de mundo mais abrangentes, com espaço para que todos possam contar suas próprias histórias.

 

Confira os trechos das nossas principais entrevistas de 2025

 

Depois da abolição da escravatura, os negros conquistaram liberdade mas isso não veio acompanhado de práticas reparatórias, de políticas públicas para garantir o acesso à terra, ao trabalho e a educação, como sempre apontou Lélia Gonzales [ativista do movimento feminista negro brasileiro]. Então, quando olhamos para a história das comunidades negras, o dinheiro normalmente vinha do trabalho doméstico feito pelas mulheres. Isso diz muito sobre o nosso passado escravocrata e sobre como o racismo confina um tipo de pessoa a uma determinada classe.” Bianca Santana, jornalista e autora de Quem limpa? (Companhia das Letrinhas, 2025), ilustrado por Ana Cardoso - confira a entrevista completa

 

A maqueira, ela não tá aqui só representando um artefato que você deita, dorme, acorda. A maqueira representa esse elo entre o mundo físico e espiritual. Representa a tessitura das memórias, a tessitura das afetividades, a tessitura da identidade, do pertencimento, das territorialidades, da continuidade da resistência. Quando uma pessoa abre o Maqueira de Tucum para ler, não está lendo uma história, ela tá lendo e vendo um uma forma de viver. Inclusive a responsabilidade de sermos continuadores de um legado. De continuar tecendo. E depois que eu me for desse mundo, outros vão continuar tecendo.” Marcia Kambeba, autora indígena do povo omágua/kambeba, pesquisadora acadêmica e ativista, autora de Maqueira de Tucum (Pequena Zahar, 2025), ilustrado por Michelle Cunha - confira a entrevista completa

 


Ser um artista negro nos Estados Unidos tem sido algo que faz com que eu lute ainda mais por justiça social e para que ninguém se sinta desumanizado. (...) Tem uma frase de Nina Simone que diz “um artista deve refletir seu tempo”. Por isso eu pinto o que chamo de “ossos quebrados” do mundo. Meus trabalhos mostram muitos assuntos conectados com os Estados Unidos: a violência armada, um sistema prisional industrial… mas também aparecem questões como a emergência climática, a representação de crianças da comunidade LGBTQIA+.” Nikkolas Smith, autor e artista visual best seller do NYT. É autor de O artivista (Companhia das Letrinhas, 2025) - confira a entrevista completa

 

 

Penso que ‘esse Brasil’ [retratado em Bateção] em seja um olhar para o Norte a partir de um nortista, que está distante lá de algum jeito do local de nascimento – eu sempre volto a Rondônia e ao rio Guaporé para pensar sobre isso, mas, de alguma forma, também tem esse olhar de fora. Então esse é o Brasil da lembrança, da saudade também e um jeito de olhar para um fenômeno, um fenômeno natural que acontece lá, faz parte do cotidiano.” Josias Marinho, professor universitário licenciado em artes plásticas, autor de Bateção (Pequena Zahar, 2025) - confira a entrevista completa

 


Meus filhos são crianças de terreiro, mas que não vivem exatamente a tradição em sua plenitude, no sentido das insígnias e das vestimentas e tudo mais. A gente vive isso mais no terreiro. Quando sai dali, a gente traja o traje social aceitável e esse costume que acabou sendo nosso, não foi moldado pela tradição da ancestralidade. Foi moldado pelo preconceito, pelo medo, pelas histórias de violência que a gente ouve ver. Já vivi. Então tudo isso também vai modificando a gente enquanto povo, enquanto comunidade. E é muito triste deixar o ódio, a raiva, moldar os nossos costumes e as nossas escolhas. Mas acaba acontecendo.” Giselda Perê, narradora de histórias, formadora antirracista para professores e artistas, sobre o que ela sentiu a partir de Luanda no Terreiro (Companhia das Letrinhas, 2025) - confira a entrevista completa


Somos uma família de muitos migrantes. Mas do lado da minha mãe, sabemos os nomes das pessoas, de onde vêm, o que faziam, quem é primo, quem é tio…Já sobre a família do meu pai, não conhecemos quase nada nada. Meus avós vieram de fazendas na Bahia, mas ninguém sabe se era um lugar deles, se eram trabalhadores, como eles chegaram até lá… Desde que a minha avó, mãe do meu pai, faleceu, as memórias da família foram para o túmulo com ela. Quando a gente é novo, não tem noção das perguntas que deveria fazer antes que seja tarde. Comecei a entender a experiência da minha família diante de um contexto de Brasil, onde esse processo de desenraizamento existe sobretudo nas famílias negras, que têm esses buracos em suas histórias. Isso envolve preconceito, silenciamento, pensar em uma ascendência de escravizados, que às vezes ainda é motivo de vergonha." Paty Wolf, autora de Azul Haiti (Companhia das Letrinhas, 2025) - confira a entrevista completa

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