Nikkolas Smith: “Encorajo as crianças a encontrarem sua força criativa”

10/06/2025

Arte como ferramenta para mudar o mundo - e para mostrar às crianças que elas também têm o poder de fazer a diferença. É assim que o artista visual e autor, Nikkolas Smith, reflete sobre seu próprio trabalho como “artivista”, um termo cunhado por ele mesmo e que sintetiza sua missão na arte e na vida. Um artivista é “alguém que usa sua arte para inspirar pessoas a mudar o mundo”, um predicado que ele atribuiu a si mesmo ainda muito cedo e que marca todo o seu percurso na arte e no desejo legítimo de transformar sua comunidade.

 

Ilustração de 'O artivista'

Em O artivista (Companhia das Letrinhas, 2025), seu primeiro livro infantil lançado pelo Grupo Companhia das Letras, com tradução de Debora Missias Alves e Gabriela Ubrig Tonelli, o autor nos conduz por uma jornada inspiradora e autobiográfica. Nikkolas é um artista de múltiplas plataformas, que usa a sua arte a favor de muitas causas. Ele ilustra posteres de filmes, é artista conceitual - com 11 anos de experiência como imagineering nos Estúdios Disney - se tornou um ilustrador best seller no New York Times e ainda acumula vários títulos publicados. 

Em O artivista, acompanhamos a saga de um menino, que muito se parece com o Nikkolas de quatro anos, que ama pintar e que vê com indignação as injustiças do mundo. Um menino que encontra na arte a possibilidade de criar um espelho da própria realidade, refletindo as mudanças urgentes para um mundo mais digno, mais gentil, mais bondoso. 

Entre as ilustrações cheias de movimento, que reproduzem digitalmente o estilo de pintura a óleo em uma estética mais fluida, algumas palavras-chave pintadas se destacam, potencializando o sentido da narrativa. O próprio Nikkolas esteve envolvido no processo de edição do livro para o Brasil, refazendo os escritos a pinceladas. “As palavras escolhidas têm tanta influência na história. Em uma cena, há um prédio onde as pessoas estão sendo despejadas, que é uma possibilidade de tocar na pauta da gentrificação. E o menino modifica os dizeres”, comenta o autor. Em Português de “NÃO MORE AQUI” a intervenção do menino transforma a advertência em uma afirmação: “AMOR AQUI”.  

“Ao ter um livro traduzido para outro idioma, amo ver como ele se reinventa”, comentou o autor em entrevista ao Blog Letrinhas. Com uma agenda efervescente por conta do lançamento de outro livro, The history of we (“A história de nós”, em tradução livre), que deve chegar ao Brasil pela Companhia das Letras no ano que vem, Nikkolas encontrou uma pausa para conversar conosco sobre os bastidores de O artivista, o percurso dele como artista e o mundo que ele gostaria de pintar para esta e as próximas gerações. 

 

Confira a entrevista com Nikkolas Smith


Blog Letrinhas: Você define “artivista” como “alguém que usa sua arte para inspirar as pessoas a mudar o mundo”. O que te inspira? 

Nikkolas Smith: Eu me sinto extremamente inspirado pelas crianças do mundo. Crianças pequenas têm a habilidade de encontrar soluções criativas e, como adultos, a gente perde um pouco esse impulso de criar. Essa é uma das razões que me faz querer conversar com as crianças sobre mudanças. Quando realizo minhas oficinas com elas, nós lemos O artivista e conversamos sobre as principais mudanças que elas gostariam de ver em suas comunidades e no mundo; depois fazemos arte. E elas embarcam imediatamente. 

Blog Letrinhas: Nessas oficinas com as crianças, normalmente há pautas que se repetem? Você percebe questões comuns ao redor do mundo?

Nikkolas Smith: Sempre aparece alguma coisa sobre limpar os oceanos, não importa onde eu vá. Equidade de gênero tem sido também um tema recorrente entre as crianças, assim como equidade racial, com muitos grupos de americanos asiáticos aparecendo. O desperdício de comida é um tema bem relevante em algumas comunidades também. Na China, começamos a produzir pôsteres sobre o desperdício de comida e muitos estudantes acrescentaram às artes estatísticas e dados. Usamos a arte para chamar a atenção para uma causa. Consegui mostrar que a arte na rua é uma possibilidade, mas que as crianças também podem produzir arte para colocar nos corredores da escola.


Blog Letrinhas:  E que mudanças você gostaria de ver acontecer para ontem no nosso mundo?

Nikkolas Smith: As mudanças climáticas e o aquecimento global estão sempre entre os grandes assuntos. Salvar a floresta tropical e todas as espécies incríveis que vivem ali… E, claro, ser um artista negro nos Estados Unidos tem sido algo que faz com que eu lute ainda mais por justiça social e para que ninguém se sinta desumanizado. 

 

Ilustração de 'O artivista'

O protagonista de 'O artivista' (Companhia das Letrinhas, 2025) foi inspirado no próprio Nikkolas criança - no seu dom para atte e na vontade de mudar o mundo


Blog Letrinhas: Como surgiu a ideia de transformar sua jornada pessoal em um livro? E qual foi o processo para criar O artivista? Começou com uma ideia clara ou foi algo que surgiu aos poucos?

Nikkolas Smith: Quando eu comecei a trabalhar no livro, eu já tinha talvez uns nove anos fazendo o Sunday Sketches, um projeto em que eu criava uma obra de arte em forma de esquete e postava nas redes todo domingo. Tem uma frase de Nina Simone que diz “um artista deve refletir seu tempo”. Por isso eu pinto o que chamo de “ossos quebrados” do mundo. Meus trabalhos mostram muitos assuntos conectados com os Estados Unidos: a violência armada, um sistema prisional industrial… mas também aparecem questões como a emergência climática, a representação de crianças da comunidade LGBTQIA+. No livro, quis pensar em uma forma de apresentar uma criança, o meu eu de uns quatro anos, que estaria fazendo arte, condensando todos esses anos de trabalho com o Sunday Sketches. Queriaa olhar para  tudo isso e fazer um grande mural. Foi preciso revisitar todos esses anos de esquetes e desenhar uma linha narrativa, fazendo caber em um livro de 40 páginas. A ideia era revisitar meus trabalhos colocando-os em um formato que as crianças fossem capazes de entender.


 Acho que o meu objetivo maior com O artivista é que as crianças percebam que um artista pode ser muita coisa - pode ser alguém que pinta, mas também pode ser alguém que dança, que ama música, que faz poesia… Encorajo as crianças a encontrarem sua força criativa e a conectá-la aos “ossos quebrados” do mundo que habitam para fazerem suas próprias mudanças. 


Blog Letrinhas: E quando foi que você se descobriu um artista antes de se tornar um artivista?

Nikkolas Smith: Me lembro de um momento, eu estava no Ensino Médio. Ia acontecer o maior jogo do ano e eu fiz as artes das camisetas . Eu pensei: “Uau! Todo mundo vai usar algo que eu criei”. Mas eu nunca falei que ia ser um artista quando criança. Acabei cursando arquitetura e fazia cartuns para o jornal da faculdade. Nesse período, fiz uma viagem para o Brasil. Fomos para o Rio, Recife, muitas cidades diferentes e a gente podia ir para a rua fazer sketches. Eu estava fazendo arquitetura, mas também já estava aperfeiçoando meu estilo, minha arte.

Profissionalmente, acho que eu não me chamei de artista até meus 20 e muitos anos, quando eu estava me considerando realmente um artista profissional e começaram a surgir mais oportunidades. Nesse ponto, eu já tinha meu primeiro livro publicado: The Golden Girls from Rio [“As meninas de ouro do Rio”, em tradução livre, que mostra a equipe de ginástica americana capitaneada por Simone Biles nas Olimpíadas do Rio de 2016]. As imagens desse livro viralizaram na internet.

 

Blog Letrinhas: E como é o seu processo como artista visual? Como você começa a desenhar uma ideia?

Nikkolas Smith: Conecto meu tablet ao laptop e começo! Tenho vários pinceis digitais e com eles faço uma mancha espalhando tinta… e depois vou limpando. Quero criar uma sensação de movimento, de liberdade nas pinceladas. Para O artivista, comecei com uma imagem que está no livro final: há um momento em que o menino está pendurado em um andaime pintando um mural. Nos estágios iniciais, eu tinha colocado apenas um menino ali, pintando uma flor, um espaço, uma espécie de retrato… Era uma espécie de esboço conceitual e eu já estava com toda a ideia visual do livro pronta. Então a Penguin [editora do original] me pediu para criar todos os principais elementos do livro,meio que conectado por uma pintura rápida. E muitos deles acabaram ficando bem semelhantes ao resultado final. 

 

Blog Letrinhas: Você trabalha com arte conceitual, é designer de pôsteres de cinema, ilustrador de best-sellers do NYT e autor — qual você acha que é sua assinatura pessoal em todas essas obras? Como podemos reconhecer a presença de Nikkolas nessas múltiplas formas de arte?

Nikkolas Smith: Em termos de estilo, eu diria que meu trabalho é muito pincelado, na esteira da pintura a óleo, às vezes mais abstrato, com os traços mais soltos, meio inacabados. Eu não gosto de linhas muito limpas, eu prefiro transmitir muita energia e movimento.  Todas as minhas obras carregam mensagens capazes de tocar a humanidade - essa é a ideia principal. Mesmo quando faço um poster, tento encontrar uma espécie de unidade, de ressaltar a humanidade das pessoas, principalmente as que são marginalizadas, para buscar justiça social. Esse é o centro de tudo. 


Blog Letrinhas: Com o Sunday Sketches, você postava esquetes nas redes todo domingo, e um dos seus trabalhos viralizou. Suas artes são compartilhadas pela Oprah, por Barack Obama… Como é a sua relação com a internet e as redes sociais — como artista, como pai, como agente de transformação mundial? Elas causam mais danos ou benefícios?

Nikkolas Smith: Eu uso muito a internet para criar. Tenho muitos painéis inspiracionais, sempre pesquiso arte de boa qualidade que possa me inspirar. Quando eu comecei o Sunday Sketches, era algo quase terapêutico para mim. Prometi a mim mesmo que iria postar uma arte todo domingo - estando satisfeito com ela ou não. Não me sinto pressionado a criar pela internet, porque para mim começou de uma forma orgânica. Agora, depois de anos, acho que a internet ainda ajuda a me inspirar e estudar, procurar bons artistas, tentar ver como eles fazem suas criações. À medida que faço arte, às vezes vou registrando minhas pinturas, faço um time lapse, para as pessoas verem como funciona, conhecerem o meu processo. 


Blog Letrinhas: Como era Nikkolas quando criança? O que te inspirava?

Nikkolas Smith: Minha mãe pendurava todo tipo de arte nas paredes de casa. Talvez o Rockwell [Norman Rockwell (1894-1978), pintor americano]  seja uma das minhas principais referências. Amo a forma como ele criava suas peças. 

Lembro que meus pais iam para o Zimbábue e traziam muito artesanato de diferentes lugares, de artistas que eu nunca conhecerei o nome mas que tinham produções incríveis. Eu costumava pegar esculturas feitas à mão e recriá-las em rascunhos. Me lembro de um jogo de xadrez - desenhei para um projeto da escola minha mão segurando uma das peças. Foi um dos momentos em que eu pensei: “isso é algo que eu realmente amo fazer”. Não lembro se fiz em lápis ou carvão, mas lembro de ser algo bem detalhado.


Blog Letrinhas: E sobre o seu novo livro, The history of we, o que você pode contar para nós enquanto ele ainda não foi publicado por aqui?

Nikkolas Smith: A ideia do livro é contar a história moderna da humanidade. Pense que todo mundo, a humanidade inteira está conectada a essa mulher da capa. Ela foi a nossa primeira ancestral. Nossos antepassados tinham capacidade de pensar e sentir: eles riam, eles choravam, eles já eram nós. E construíam coisas bonitas. Medicina, astronomia, exploravam novos territórios, cavavam troncos para navegar… Eles viviam na África, foi lá que nós começamos. Mas eles se espalharam e povoaram o mundo.  Eu sempre quis fazer um livro trazendo esse conceito de que a África é a origem de todos nós. 

 

Blog Letrinhas: Para terminar: você é um artista conceitual. Se eu te pedisse para criar um mundo como você gostaria de vê-lo daqui a 10 anos. O que você pintaria?

Nikkolas Smith: Acho que ele se pareceria com o final de O artivista, com pequenos criadores colaborando entre si, criando coisas bonitas. Seria um mundo de paz, com justiça social e todo mundo se ajudando, vivendo em harmonia. Muitas árvores, um ar limpo, um planeta próspero, em que todos desfrutassem de autonomia e liberdade. Acho difícil que isso realmente aconteça em 10 anos, mas estamos avançando, de passinho em passinho. 


(Texto: Naíma Saleh)

 

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog