A edição de um projeto tão ambicioso quanto a Torre Negra demandou bastante trabalho, inúmeras conversas e definições, e que culminaram nestas novas edições. Li A Torre Negra pela primeira vez em 2009, quando tinha 18 anos (quase o mítico 19). Na época, eu já era uma Leitora Fiel havia alguns anos, e sabia, claro, que Stephen King tinha uma série de fantasia, então era uma questão de tempo até que o primeiro volume da série chegasse até as minhas mãos. Lembro de não ficar muito impressionada com O Pistoleiro. Era um livro curto, universo estranho e meio mal explicado, parecia não se decidir entre ser um faroeste ou um livro de fantasia. Onde estava o terror que eu sempre procurava nos livros do Stephen King? Avaliei (com bastante boa vontade) como três estrelas e segui em frente, agora um pouco com o pé atrás sobre a tal série da Torre Negra.
Alguns meses depois, encontrei uma versão pocket, em inglês, de A escolha dos três e pensei, por que não? Já li o primeiro, o mínimo é tentar o segundo também. Em menos de dois meses já havia completado a leitura dos cinco outros volumes, e me tornei uma fã convicta e panfletadora da Torre Negra para qualquer um que se dispusesse a ouvir.
Poder revisitar os livros da Torre Negra, e desta vez como profissional, foi um processo muito interessante. E, por curiosidade, foi a primeira vez que reli O pistoleiro. Aproveito aqui para fazer uma correção resenhária: O pistoleiro é com certeza um livro 5 estrelas.
Um projeto desta envergadura, englobando oito livros, em sua maioria calhamaços, foi um enorme desafio. Como foi então feito? Um glossário de termos foi criado, onde, a partir daí, inseri o nome original do termo, como ele apareceu nas primeiras edições (e, em muitos casos, como estava variando) e a sugestão de padronização ou de mudança. A partir deste glossário, a equipe editorial da Suma bateu o martelo sobre os termos a serem utilizados e foram definidos os caminhos que seguiríamos.
A leitura de todos os livros, em sequência, permitiu que, além de enxergar onde havia variação da padronização, também fosse possível reconhecer oportunidades de melhorar determinadas traduções.
Algumas frases, clássicas, foram mantidas e padronizadas quando necessário:
Longos dias e belas noites.
Vá... Há outros mundos além deste.
E, claro, o lema dos pistoleiros:
Eu não miro com a mão; aquele que mira com a mão esqueceu o rosto de seu pai. Eu miro com o olho.
Eu não atiro com a mão; aquele que atira com a mão esqueceu o rosto de seu pai. Eu atiro com a mente.
Eu não mato com a arma; aquele que mata com a arma esqueceu o rosto de seu pai. Eu mato com o coração.
À medida que a história ia progredindo, mais decisões foram sendo tomadas. A estrada até a Torre, e a sua sustentação, foi definida como serem os “Feixes de Luz”, ou apenas “Feixes”. Antes, variava entre “Feixes”, “Haste” e até “Farol”. O bicho começou a pegar de verdade quando entramos na língua do Baronato. O mundo de Roland é parecido com o nosso, mas não é igual, e uma das decisões foi manter o “Ié” como tradução do “Aye”. Isso foi importante para distinguir a fala diferenciada e mais antiga dos personagens do Mundo Médio. Em determinados casos, por exemplo, um “Yeah” dito por Eddie ou Jake chegou a ser erroneamente traduzido para “Ié”, porém era algo que não fazia sentido dentro da fala deles.
O “Monte Jericó” foi ajustado para “Colina Jericó”, já seguindo como ficou no quinto volume da HQ da Torre Negra, também publicada pela Suma. A importantíssima Trombeta do Eld, que figurou tanto como um Chifre quanto uma Corneta nas edições passadas, agora está sacramentada como Trombeta. O amado “chapinha” da Mia, antes uma tradução literal de “chap”, tornou-se o “carinha”.
Uma das coisas mais interessantes da Torre Negra é que ela representa um verdadeiro Multiverso de Stephen King. Em um dos mundos viajados pelo ka-tet, a Supergripe do Capitão Viajante de A dança da morte faz uma aparição, então foi tomado o cuidado de checar como ficara conhecida a doença em a Dança. E a Tartaruga, com um papel tão importante na história, foi também crucial para o Clube dos Perdedores, em It – A coisa. E talvez o próprio Pennywise não seja ele mesmo um dos monstros saídos de um dos andares da Torre Negra?
Porém, a maior interseção entre os mundos não tem como não ser o père Callahan, saído diretamente das páginas de ‘Salem. O père é assombrado até o final pelos seus vampiros, e aqui optamos por chamar os “low men”, no original, de “homens nefastos”. Estes foram apenas alguns exemplos das escolhas editoriais que foram tomadas, sempre em conversa com a equipe editorial da Suma.
Um dos maiores desafios do texto foram as muitas remissões. A jornada dos personagens é de tal modo que eles constantemente estão recordando de situações, e muitas vezes falas propriamente ditas, de acontecimentos passados em dois, três livros anteriores à cena que se desenrolava. Ou seja, ao chegar em A Torre Negra, significou estar com o arquivo final de todos os livros abertos, para poder fazer buscas e garantir que ficasse igual em todas as ocorrências.
E quando, lá na metade do trabalho, terminamos percebendo que determinado termo teria que ser trocado? Atualização no glossário, e comentário pedindo a busca e alteração nas ocorrências nos volumes anteriores.
Ao fim, após uma jornada que pareceu por vezes ser quase tão longa quanto a de Roland, podemos dizer que chegamos ao topo da Torre Negra. Esperamos que todos os Leitores Fiéis amem tanto o resultado final quanto eu, e toda a equipe da Suma, amamos trabalhar neste projeto. Salve, pistoleiros!