Dia das bruxas? Só se for com a Mortina

31/10/2025

Quem aí lembra do primeiro Mortina (Companhia das Letrinhas) que tivemos aqui? Estamos falando da coleção mais fofamente assustadora criada pela italiana Barbara Cantini! Na série de livros, a menina Mortina, uma pré-adolescente zumbi moradora do Palacete Decrépito, no vilarejo de Logo Ali! Em 2019, a Companhia das Letrinhas começou a trazer a série para o Brasil e chegamos ao sexto volume em 2025: Mortina e a Sala Secreta (Companhia das Letrinhas, 2025)! 

Mas, “para ler Mortina”, são necessários certos atributos. E pensamos aqui que talvez fosse importante a gente falar sobre isso hoje, dia 31 de outubro, data em que o Hemisfério Norte criou o Halloween, o Dia das Bruxas, que se espalhou como festa em vários lugares do mundo. Inclusive aqui, no Brasil. Pois é, esta é uma festa muito importante para Mortina, foi um dia em que tudo mudou para ela: no primeiro livro, Mortina – Uma história que vai fazer você morrer... de rir! (Companhia das Letrinhas, 2019), é num Dia das Bruxas que ela arrisca sair por aí vestida de zumbi que, por sua vez, estaria vestida de gente viva. Deu para entender? 

Mortina, a menina-zumbi não podia ser vista por aí...

Mortina, a menina-zumbi não podia ser vista por aí... entre os vivos! 

 

Ela participaria da festa com as outras crianças, fingindo estar fantasiada para o Dia das Bruxas! O plano não podia dar errado, mas era melhor que tia Fafá não soubesse de nada.

Ficou melhor com o texto da tradução precisa de Eduardo Brandão? O fato é que Mortina bolou um plano, com itens como saber tudo sobre a festa, escolher o vestido certo e pedir a opinião de seu fiel cachorro, Tristão, arrumar uma cestinha para receber os docinhos do “gostosuras ou travessuras” e, o principal: ver como fazer para distrair Tia Fafá Lecida para que ela não descobrisse a escapada. 

Por que tudo isso? Porque Mortina só quer se sentir uma criança normal, bem ao contrário do que narra o texto no começo do livro:

Mortina não era uma menina normal. Mas não se sentia tão diferente assim. Bom, sua pele não tinha o rosado típico das meninas. Na verdade, ela era completamente branca. Ou melhor: era de um brancura mortal, puxando para o cinza-esverdeado.

Ah, e seus olhos eram redondos como uma bola. E contornados por duas olheiras arroxeadas. E qual o problema? Roxo é uma cor linda e, ainda por cima, está super na moda. Bom, também tinha outro detalhe: ela podia arrancar qualquer parte do corpo, como se fosse uma boneca. Só que ela não era boneca, e sim uma zumbi: uma menina-zumbi.

Mas, afinal de contas, quem sabe o que é ser normal? Mortina tem tia, avó, avô, cachorro… Bem, os amigos que ela arranja no primeiro livro foram muito abertos a acolher Mortina – e se prontificaram a manter segredo, assim como os leitores, até hoje. Até esse sexto livro.


Como Mortina chegou até aqui

Para gente falar desde sexto livro e saber que tal sala secreta é esta, vamos voltar no tempo e passear pelos outros quatro volumes! Bem, “morrer de rir” continua sempre sendo a missão de Barbara Cantini conosco – desde que não seja nada literal, claro. No mesmo ano de 2019, conhecemos outro livro da série de, Mortina e o Primo Insuportável (Companhia das Letreinhas, 2019).

Na história, chovia muito, Mortina estava bem chateada pois as crianças do vilarejo não tinham aparecido para brincar com ela. O seu cachorro, Tristão, havia saído para caçar sapos (coisa que ela adorava fazer na chuva) e até a tia Fafá Lecida estava numa “fase botânica”, estudando e cuidando de plantas (havia uma que a ouvia com muita atenção, e…, enfim, todo mundo já viu isso acontecer com alguém da família, não?). 

Pois o dia poderia ficar mais… complicado? Ficou. Sem Mortina saber sobre nada, a visita de um primo chamado Dondoco, com uma fala meio de metido, chega à casa dela, e muda o dia. O garoto vai “analisando” tudo da casa, enquanto nós leitoras e leitores (talvez mais ainda os adultos), vamos nos divertindo com as referências que Barbara coloca nas paredes: os quadros que têm retratos dos parentes de Mortina, também guardam imagens icônicas como uma foto clássica do direitor de cinema Alfred Hitchcock, e a pintura O Grito, de Edvard Munch. Não foi um momento muito agradável para a nossa protagonista:

Para bancar o aristocrata, Dondoco pediu um suco de abóbora morno numa xícara grande, com três pedacinhos de gengibre cristalizado e um salpicado de ovos de aranha. Àquela altura, a animação de Mortina já tinha desaparecido por completo. Depois de servir Dondoco, ela saiu à procura da tia, para reclamar daquele convite ao primo chatérrimo.

Mas as esquisitices do dia não pararam por aí: de repente, a campainha-uivo da casa começa a tocar, uma vez atrás da outras, e todos os amigos de Mortina chegam com o motivo de terem recebido um convite para um jantar surpresa, um convite assinado pela tia Fafá, que havia sumido das vistas da menina. 

Que estranho! Então a história se torna uma história de mistério e Mortina tem que acionar seu lado detetive para olhar os detalhes e descobrir o que realmente estava acontecendo. E é aí que Barbara nos leva a um mergulho a lá Sherlock Holmes para a história, fazendo a leitora ou o leitor também olhar os detalhes das imagens e se surpreender com o desenrolar e o final desta história… macabra? 

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O que poderia assustar uma família-zumbi?

Mortina e o amigo fantasma

Mortina e Tristão olham para fora e vilumbram um menino luminoso.... e um tanto desbotado!

 

Talvez a gente já revele tudo no nome do terceiro livro que chega ao Brasil em 2020: Mortina e o Amigo Fantasma (Companhia das Letrinhas). Nevava e estavam todos nos preparativos da festa de Ano-Morto. Mortina e Tristão, no entanto, percebem uma nova presença querendo entrar na casa. 

— Ah! Então era você no telhado! E foi você quem sujou o meu tio-avô Funesto de fuligem outro dia! — exclamou Mortina. — Nossa casa tem uma proteção, e ninguém pode entrar se não for convidado por nós, nem mesmo os fantasmas. O fantasma contou que tinha escapado de um buraco escuro da árvore negra do jardim. Era um lugar vazio e sem luz que atraía as pessoas, apagava seu brilho e depois sumia com elas.

Pedindo ajuda ao avô Féretro, descobrem que o menino-fantasma talvez estivesse no Sumidouro, um lugar dos fantasmas desmemoriados. O único jeito de melhorar a situação dele seria que descobrir seu nome. 

Para Barbara Cantini, o humor está nos detalhes

Esta edição, assim como a próxima, que vimos aqui em 2021 – Mortina de Férias no Lago do Mistério (Companhia das Letrinhas) – faz a gente rir demais com a opção gráfica de texto e imagem que a autora italiana oferece como mais uma camada de leitura, com flechinhas indicando detalhes dos desenhos e sempre com uma frase reveladora de algo. 

É neste tipo de detalhe que descobrimos, por exemplo, que o telefone no Palácio Decrépito não toca mas, sim, grita! E ele gritou cedinho naquele dia, mas tia Fafá Lecida não se empolgou muito depois de atender: era a tia Megera, sua irmã, convidando para o arraial de Gorgonzola (onde ela vive com o filho, Dondoco), à beira do Lago do Mistério. Afinal, naquele ano, o Solstício de Verão coincindiria com a grande Lua Vermelha. 

Mas o tio-avô Funesto – que hoje é só uma cabeça falante – diz que a notícia alertava que as águas daquele lugar ganhariam poderes estranhos: quando criança ele passava sempre as férias por ali. O que será que pode acontecer? E não é que aquele dia a gente veria…

Mortina correu para o espelho: uma menina com lindas bochechas rosadas, cabelo brilhante e sem nenhum sinal de olheiras roxas a encarava. Ela se sentia tão… rosada. E quente. E leve. E… viva!

Viva? Pois este foi um feitiço que Dondoco sacou do livro Feitiços e Lendas do Lago do Mistério, solução para a casa em que moravam não ser vendida à outra pessoa – uma vez que, para os vivos, aquele ali era um lugar em que ninguém poderia estar vivendo. A não ser os mortos, não é?

E lá foram para o cartório resolver as pendências do lugar. As mortas Megera e Mortina com cara de vivas. 


O funcionário continuou a listar leis e artigos absurdos e chatérrimos, que por pouco não fizeram Mortina e a tia morrerem outra vez. Depois concluiu:

— Bom, eu diria que está tudo certo!

E acrescentou, completamente fascinado pela tia Megera:

— Imagino que a senhora vai ficar alguns dias aqui no lago. Posso lhe perguntar onde está hospedada? A tia respondeu sem pensar:

— No arraial, com a minha família.

O funcionário ficou meio perplexo: a casa estava em estado de abandono e, com base no artigo 637 sobre segurança, não parecia nada prudente ficar lá! A tia tentou tranquilizá-lo, dizendo que de fora a casa parecia abandonada, mas estava bem conservada por dentro.

E aí continuou a tensão: o funcionário do cartório se encantou pela tia Megera e quis ir visitar a casa! 

A família da Mortina, viva e rosada (e nervosa), estava a postos para receber a visita. Só estava faltando o tio-avô, afinal, não ter um corpo era um probleminha nesse caso.


Mistério e autoconhecimento?

Até então, na série Barbara Cantini ainda não nos tinha mencionado nada sobre os pais de Mortina. Esse é o mote do quarto livro, Mortina e Uma Surpresa de Arrepirar (Companhia das Letrinhas), lançado aqui em 2023 e com tradução de Nathalia Dimambro. Mexendo numa caixa de fotos com os amigos, a menina encontra um cartão-postal dos pais dela. Então, ela puxa seu lado detetive novamente, com a ajuda dos amigos: 


Seus amigos se animaram com a ideia e decidiram começar a investigação interrogando a tia Fafá Lecida.

Eles a encontraram imersa em seu banho mensal de lama podre. Tristão estava colando duas lesmas em seus olhos — para combater a secura ocular —, mas elas não pareciam querer ficar ali… Mortina, massageando um dos pezões da tia para relaxá-la, perguntou como quem não quer nada:

— Hum, tia Fafá, eu estava no sótão e encontrei a antiga caixa de recordações com os postais que meus pais mandavam, sabe? Então… fiquei me perguntando… se você… saberia-dizer-qual-foi-a-última-viagem-que--eles-fizeram-e-por-que-nunca-mais-voltaram? — ela terminou, desembuchando de uma vez.

E aí vemos Mortina se aventurar mais uma vez pelo vilarejo! Em busca de respostas, vão ao museu da cidade – Mortina e Dondoco disfarçados com roupas modernas. E aí a leitura causa uma inesperada referência histórica:

Descobriram que aquele navio luxuosíssimo entrou para a história por ter naufragado justamente em sua viagem de inauguração. Analisaram diversas fotos, e em uma delas reconheceram os pais de Mortina no convés! Seus nomes também estavam na lista de passageiros.

— Mas na nossa família todo mundo vira zumbi quando morre. Então por que eles não voltaram pra casa? — Mortina se perguntou.


Sim! O que Mortina nem poderia sonhar, aconteceu e os pais de Mortina entram para a série!


Sempre mais surpresas

Chegamos em 2025 e ao sexto livro: Mortina e a Sala Secreta (Companhia das Letrinhas)! Quando a gente acha que tudo já foi revelado nesta família tão diferente, sem querer a menina tem acesso a um grande segredo, daqueles típicos de novelas de televisão! Tem história de amor e rancor e, claro, mais mistério. E tudo começa numa biblioteca e caminha para um… cemitério! E um bracelete e uma determinada flor levaram Mortina e Dondoco a outros profundos mergulhos na história da família. 

Mortina e a sala secreta

Mortina e Dondoco se unem para tentar desvendar os mistérios da família...

 

Era uma flor recente, deixada sobre a tumba de um tal de Eustáquio. Mortina se perguntou quem poderia tê-la deixado ali — o cemitério era particular, e aquelannão era uma tradição da família. Curiosa, Mortina leu a inscrição na lápide parcialmente coberta de musgo:

Será sempre sua a chave do meu coração, pela morte eterna. — A.

— Quem será que era A? E nunca ouvi falar desse Eustáquio! — Mortina exclamou. O primo, mordiscando o milésimo bolinho transilvano, respondeu distraído:

— Nau sei quem é A nem Eustáquio, mas me perrrguntonpur que touda essa chatice de chave do coraçau!

Ao ouvir aquelas palavras, Mortina teve uma intuição e afastou mais o musgo da lápide, pulando animada.

— Olha, Dondoco! Debaixo da inscrição tem uma chave esculpida, igualzinha àquela da outra lápide! Acho que descobrir quem eram A e Eustáquio pode ser útil!

E então, somos fisgados mais uma vez! E neste volume, até vivo parece morto! Este também é um dos livros que exige mais fôlego do leitor: tem mais texto, mais detalhes gráficos em imagens e palavras, mais mistérios para desvendar. Apetitosamente assustador, instigante e, como sempre, delicioso de se ler em companhia! 

E, pela árvore genealógica construída, estas aventuras parecem longe de chegar ao fim! Também, pudera: em uma entrevista à Revista Qual É, a autora afirmou que suas leituras mais marcantes da infância são Alice no País das Maravilhas e O Mágico de Oz e diz o quanto sempre foi fascinada pela atmosfera gótica de Família Adams. Todas nessa mistura irresistível de relações de família e amizades, medos e coragens, mistérios e muito humor. 

(texto: Cristiane Rogerio)

 

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