
Amizade não tem espécie: veja livros que mostram encontros com amigos improváveis
Separamos livros que retratam amizades improváveis entre gente e bicho, gente e planta, e o que mais for possível inventar!
Dizem que na vida é preciso ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore.
Em Minha árvore de estimação (Brinque-Book, 2025), a história muda um pouco: é a filha quem ganha do pai uma árvore de presente de aniversário, uma árvore que ganha o nome de Jorge.
A amizade brota com facilidade entre Lili e Jorge em Minha árvore de estimação (Brinque-Book, 2025)
Tudo começou quando Lili era pequena e seu pai a levou para conhecer uma floresta. Em meio ao frescor e ao perfume das folhas, caminhando lado a lado com os grossos troncos, a menina se apaixonou: “uma árvore por vez”. Por isso, quando o pai lhe perguntou o que ela queria ganhar de aniversário, não deu outra: Lili pediu uma árvore. Mas a chegada de Jorge se torna mais do que um presente só para a menina.
Com a ideia de expandir os horizontes de seu novo amigo, Lili coloca Jorge em um carrinho para mostrar-lhe o mundo. Jorge e Lili, então, passam a circular pela cidade. Por onde passa, a árvore atrai a curiosidade e espalha sombra e frescor. É assim que presença de Jorge dá início a um movimento inusitado e logo ele não é mais a única árvore a circular pela cidade…
A narrativa sensível e tão bem situada em tempos de urgência climática, no qual trazer mais natureza às cidades é imperativo, é de Marie-Louise Gay, uma das mais celebradas personalidades da literatura infantil canadense. Escritora e ilustradora - não necessariamente nessa ordem -, ela tem diversas obras premiadas e já foi indicada duas vezes ao Hans Christian Andersen e uma ao Astrid Lindgren Memorial.
Marie-Louise nasceu em Québec, mas vive em Montréal e por pouco não desistiu de ser artista. Suas ilustrações, que conferem uma identidade própria a seus livros, misturam diversos materiais, em um processo que privilegia o lúdico ao apego por um rigor formal. Um processo ‘espontâneo’, como a própria autora define, e sem interferências digitais, que faz personagens e cenários fluírem com naturalidade pelas páginas…
A autora é particularmente conhecida pela série que tem como protagonista Estela e seu irmão Rafa, que em diálogos sensíveis registram as descobertas, o deslumbramento e as singelezas tão próprias da infância. Em Minha árvore de estimação, Marie-Louise preserva esse olhar fresco e tão próprio das crianças sobre o mundo.
Em entrevista ao Blog Letrinhas, a autora fala da inspiração para o novo livro, faz uma retrospectiva da própria carreira transitando entre a arte e a literatura e conta sobre as experiências de sua própria infância que se imortalizaram em seus livros.
Marie-Louise Gay: O projeto de arte "Bosk", que significa floresta, foi uma ideia maravilhosa de um arquiteto chamado Bruno Doedens, que pensou em plantar mil árvores em enormes caixas de madeira com rodas que voluntários empurravam pela cidade, criando oásis de sombra, beleza e relaxamento.
Este projeto me inspirou a pensar do ponto de vista de uma criança. Como eu poderia escrever uma história em que uma criança, ou crianças, descobrissem a importância e a diferença de ter áreas sombreadas, mais frescas e mais bonitas em seus bairros por causa das árvores? Como eu poderia inspirá-las a olhar o mundo com admiração e curiosidade e incutir nelas o desejo de mudança? Uma criança precisava estar no coração da história.
Assim começou a saga de Lili, uma garota que mora em um bairro sem árvores e que visita uma floresta pela primeira vez, apaixonando-se por ela de árvore em árvore. Lili, então, pede uma árvore de presente de aniversário e coloca nela o nome de Jorge. Enquanto puxa Jorge em seu carrinho pelo bairro, ela percebe como a árvore afeta as pessoas, uma de cada vez. Esse gesto transforma seu bairro e seus habitantes.
Marie-Louise Gay: Eu sempre crio o texto e as imagens ao mesmo tempo: esboço a história e, enquanto escrevo, começo a visualizar os personagens e o cenário com pequenos esboços a lápis. À medida que a história se desenvolve e se concretiza, os desenhos também se desenvolvem. É como uma osmose, um vai e vem gradual que enriquece as palavras e as imagens, cada uma influenciando a outra.
Era importante para mim visualizar a transformação da cidade cinza, de asfalto e concreto, em um lugar colorido e alegre. Então, os primeiros desenhos são em tons de cinza, cinza, ardósia e pedra. Quando Jorge entra na vida de Lili, as cores começam a se infiltrar lentamente nas páginas, tornando-se mais brilhantes e onipresentes à medida que a história avança. Mesmo sem ser capaz de ler a história, o leitor pode ver nas ilustrações como as árvores metamorfoseiam a cidade.
Marie-Louise Gay: Não creio que livros infantis devam sempre trazer uma mensagem evidente, uma moral ou uma lição específica. Ler deve ser um prazer: uma história maravilhosa e gratificante, com personagens com os quais as crianças se identificam, contendo humor, beleza, descoberta e aventura. A leitura deve abrir janelas para o mundo e satisfazer a curiosidade do leitor ou inspirá-lo a buscar mais.
Se quisermos escrever sobre assuntos delicados, eles devem ser incorporados à história e não necessariamente ser o tema principal. Em Minha árvore de estimação, o cerne da história começa com Lili se apaixonando por uma árvore.
É uma história de deslumbramento e amizade entre Lili e Jorge. Lili não pretende transformar a cidade ou ensinar uma lição aos seus habitantes. Não, ela só quer mostrar ao seu novo amigo que a cidade é maior do que a varandinha de seu apartamento. É aí que ela descobre as adoráveis qualidades de seu amigo Jorge e as compartilha com outras pessoas.
Marie-Louise Gay: Não vejo a cidade de Lili como um lugar difícil, mas sim como um lugar desolado. Tenho a sorte de morar em um bairro de Montreal com uma vegetação muito rica e densa. Mas conheço bairros desolados e sem árvores. E quando caminho por essas ruas, sinto-me mais exposta às intempéries, noto a falta de espaços verdes acolhedores e abrigados.
O que permanece comigo da minha infância foi quando nossa família passou quatro anos morando nas montanhas perto de Vancouver: a proximidade da natureza, do mar e das montanhas, onde eu brincava por horas a fio nas mágicas florestas de sequoias ou nas infinitas praias de areia... Eu trazia à minha mente essas imagens quando retornamos da nossa vida nômade e quando morávamos em lugares que não eram tão bonitos ou naturais, eu revivia todas essas memórias que inspiraram os livros que escrevi ao longo dos anos.
O amor pelas árvores é despertado em uma visita à floresta em Minha árvore de estimação (Brinque-Book, 2025)
Marie-Louise Gay: Eu não reprovei em artes na terceira série: a professora me reprovou!
Assim, imediatamente parei de pintar, desenhar e criar pelos 10 anos seguintes. Quando eu tinha dezesseis ou dezessete anos e estava passando por um momento difícil na minha vida: o divórcio dos meus pais, minhas notas baixas na escola, minha baixa autoestima, comecei espontaneamente a rabiscar, fazer cartuns, desenhar e pintar em todas as superfícies disponíveis: livros escolares, guardanapos de papel, cadernos de desenho, papel de rascunho…
Finalmente decidi ir para uma escola de artes e foi lá que comecei a pensar que havia uma luz no fim do túnel e que eu poderia estar no caminho para me tornar uma artista.
Marie-Louise Gay: Começo com pequenos esboços a lápis, que se tornam cada vez mais precisos e definidos à medida que refaço os traços repetidamente: ampliando os desenhos, trabalhando no design da página, isolando e ampliando certos elementos para enfatizar os eventos ou emoções mais importantes e significativos da minha história. Quando estou satisfeita com meus esboços, e espero que também satisfeita com a minha escrita, transfiro os desenhos para o papel em que vou pintar, que é, na maioria das vezes, papel para aquarela. Então, exploro diferentes meios, cores e materiais que posso usar para pintar ou desenhar: aquarela, nanquim, acrílico, pasteis suaves, lápis, tinta branca opaca ou colagens de papel japonês feito à mão, pergaminho e jornal.
Isso é feito de forma bastante espontânea, então, no início do processo, costumo refazer uma ilustração mais do que algumas vezes. Mas aprendo com cada refação. Faço todas as minhas obras de arte manualmente porque é um prazer estar com as mãos na massa, sentindo o papel, o fluxo do pincel, o traço do lápis, deleitando-me com "acidentes" imprevisíveis que enriquecerão minha ilustração. Todas as sensações que eu perderia se estivesse trabalhando em uma tela.
Marie-Louise Gay: Comecei fazendo ilustrações editoriais para jornais e revistas no Canadá e nos EUA. Alguns anos depois, um editor e autor franco-canadense me perguntou se eu queria ilustrar um livro infantil que ele havia escrito. Eu nunca tinha pensado em ilustrar um livro infantil, mas me apaixonei pela criação de uma paisagem visual para uma história com personagens que eu tinha que inventar, um ritmo visual que eu tinha que manter de uma página para a outra. Achei isso emocionante e gratificante, muito mais do que fazer uma única ilustração para uma história de revista. E quando vi as reações das crianças aos meus desenhos, de repente me perguntei se eu também poderia escrever uma história. Então, tentei e apresentei uma pequena história sobre números: De zéro à minuit [De zero a meia-noite, em tradução livre, publicado originalmente e 1981], para a editora, que a aceitou… eu tive um ótimo começo e nunca mais parei!
Marie-Louise Gay: Acho que todos concordamos que as crianças mudaram muito, eu diria que especialmente nos últimos dez anos. Em geral, elas têm sido sobrecarregadas pelo fácil acesso a qualquer informação, jogos, imagens, em uma grande variedade de telas, em casa ou na escola. Como resultado, elas estão menos concentradas, distraídas com facilidade e frequentemente isoladas. Mas nem todas as crianças, é claro.
Nunca escrevi para uma criança ou faixa etária específica; tento escrever histórias universais que abordem a criança que existe em cada um, adultos e crianças. Histórias envolventes nas quais os leitores possam se identificar com os personagens e suas emoções, sentimentos e empatia. Histórias que abordem a imaginação e a criatividade presentes na primeira infância.
Marie-Louise Gay: Sempre estive em contato com crianças: em escolas e bibliotecas por toda a América do Norte, México, Europa e até mesmo na China, realizando leituras e workshops para tantas crianças que perdi a conta, e depois, é claro, tendo meus próprios filhos e agora meus netos. ...
Então, tive muitas oportunidades de explorar e receber suas ideias, comentários, humor e, principalmente, sua perspectiva única sobre o mundo.
Marie-Louise Gay: A personagem Estela foi inspirada, em parte, pela minha personalidade de criança: muito determinada, alegre e curiosa, mas também pela infância dos meus dois filhos: turbulenta, aventureira, cheia de curiosidade e imaginação. Os diálogos, perguntas e respostas nos livros Estela e Marcos eram frequentemente conversas que eu ouvia entre eles.
Nunca pretendi que Estela se tornasse uma série. Quando escrevi e ilustrei o primeiro livro, Estela, estrela do mar (Brinque-Book, 2000), estava revivendo as memórias das primeiras impressões do meu filho sobre o mar e a praia.
Eu queria escrever um livro com um tema universal: a maravilha de uma criança pequena quando descobre a imensidão e a complexidade do mundo ao seu redor, em todos os seus pequenos detalhes e enormes questões abrangentes. Então, olhei ao redor e percebi que as maravilhas nunca acabam para as crianças, então Estela e seu irmão Marcos continuaram explorando o mundo.
(Texto: Naíma Saleh)
Separamos livros que retratam amizades improváveis entre gente e bicho, gente e planta, e o que mais for possível inventar!
Revisitamos a obra do ilustrador e escritor Maurice Sendak, que viu parte de sua família ser exterminada na guerra e ficou para nos contar onde vivem os monstros - marcando o imaginário de muitas gerações pelo mundo
Confira os destaques e a programação infantil dos dois eventos