
Literatura Brasileira Viva: O melhor da ficção nacional, conto a conto
A terceira edição da campanha de valorização da literatura nacional promovida pela Companhia das Letras em conteúdos, promoções e eventos.
Um dos problemas de ter um bando de sociopatas ocupando o poder é que não dá para esperar que eles se comportem de nenhuma outra forma que não como um bando de sociopatas. Mesmo que isso implique em destruir a economia do país, agora e no longo prazo.
O sociopata-em-chefe do Brasil passou tanto tempo atacando as medidas de isolamento social na pandemia em nome da economia que teve sucesso: parte da sociedade ignorou a quarentena e prefeitos e governadores iniciaram reaberturas precoces que resultaram, adivinhe, numa aceleração no número de casos. Esta tem obrigado a recuos, fechamentos e mini-lockdowns, à medida que os sistemas hospitalares colapsam Brasil adentro. Enquanto o mundo vira a página da Covid e prepara a retomada, o patropi, em nome da economia, arrasa famílias e a própria economia.
Mas isso é só no primeiro momento. Porque as coisas tendem a ficar muito, muito piores. Arma-se no horizonte uma tempestade perfeita para o Brasil e o país pode ter uma recuperação mais lenta e menos duradoura do que a de outros países do G20. E perder mais uma oportunidade de ganhar dinheiro e desenvolver setores estratégicos.
A queda no PIB causada pela pandemia exigirá uma intensificação do comércio internacional e dos investimentos. Seria, por exemplo, um bom momento para avançar no longo processo de ratificação do acordo comercial UE-Mercosul e para atrair capital estrangeiro com um mercado de 200 milhões de consumidores.
Ocorre que o Brasil está virando um destino tóxico para o capital estrangeiro, por uma série de razões que vão dos ataques à democracia à política ambiental. Esta, candidamente resumida naquela frase lapidar “vamos aproveitar que a imprensa está distraída com a pandemia para passar a boiada”, começa a cobrar seu preço. A chance de avanços no acordo de livre-comércio com a Europa neste momento é nula; os europeus estão aproveitando que o processo doméstico de ratificação é mesmo demorado para catimbar até que os ventos (ou o governo) mudem por aqui. E, no último dia 22, 30 investidores estrangeiros, com ativos somados de US$ 4,1 trilhões (duas vezes e meia o PIB brasileiro), chamaram embaixadores do Brasil em oito países para uma “conversinha” sobre essa história de boiada. Eles dizem que o tratamento dado à floresta e ao clima pelo Brasil está expondo seus investidos a riscos diversos. Em bom português, eles temem perder dinheiro. A conversa com embaixadores é o último passo antes do desinvestimento. Não existe momento bom para perder investidores, mas uma recessão é o pior de todos eles.
O governo não sabe como reagir à repercussão externa da crise ambiental. Não possui ferramentas cognitivas para isso. O Presidente da República pensa (desculpem o verbo forte) que a Amazônia é um reservatório de terras e minérios e que tudo que está no caminho da apropriação desses bens (a floresta, seus povos, as ONGs, os cientistas) precisa ser eliminado. Nessa moldura mental, qualquer tentativa de controlar ou evitar a destruição da floresta nasce condenada. Sociopatia, como sabemos, não tem cura.
As pessoas ditas “razoáveis” da administração, como o vice-presidente (aquele que escreveu que botaria os tanques na rua se a imprensa não começasse a elogiar o governo) e a ministra da Agricultura (aquela que mandou liberar o plantio de cana na Amazônia sem nenhuma necessidade econômica e contra todas as recomendações técnicas), acham que o desmatamento é um problema de comunicação e com o spin certo o mundo vai se convencer de que o Brasil é sustentável. Vocês contam ou eu conto?
O outro problema de fundo é que a atual administração ignora olimpicamente o elefante na sala, para o qual as atenções de muita gente tendem a se voltar nos planos econômicos pós-pandemia: a mudança do clima. Esta é a segunda grande célula de instabilidade que se junta com a crise do desmatamento para atrapalhar as chances de recuperação do Brasil.
A Covid zera o jogo econômico e abre à humanidade uma janela concreta para atacar a crise climática, que nunca foi embora mesmo enquanto as pessoas estavam em casa. Novas indústrias, baseadas em tecnologia de energia limpa, que enfrentavam dificuldades políticas para competir com a economia fóssil, ganharam um espaço inédito para equilibrar o jogo. E pelo menos um aliado de peso: a União Europeia.
Os europeus apresentaram o Green Deal, um plano de recuperação econômica verde para zerar emissões líquidas de carbono até 2050. Acostumados com regulação intensa, com um mercado de carbono funcionando há quase duas décadas e uma sociedade pós-industrial que pressiona pelo desinvestimento em combustíveis fósseis, os países europeus devem acelerar a descarbonização da economia e tendem a pressionar seus parceiros comerciais por produtos menos intensivos em carbono.
Esse movimento pode ganhar intensidade em novembro caso os democratas sejam eleitos nos Estados Unidos – cenário cada vez menos improvável diante da condução desastrosa da pandemia por Donald Trump. Joe Biden tende a retomar os incentivos à energia limpa de onde Barack Obama os deixou ao encerrar o governo, em 2016. E traz na bagagem a companheira de partido Alexandria Ocasio-Cortez, proponente do Green New Deal, o conjunto de reformas econômicas verdes que inspirou o pacote europeu.
O Brasil tem grande parte dos elementos necessários para virar um competidor nessa nova economia. Tem muita terra para reflorestamento. Tem o maior programa de agricultura de baixa emissão de carbono do mundo tropical. Tem uma indústria de bioplásticos estabelecida. Tem uma pós-graduação pronta para fornecer inovação às novas indústrias. E tem o que nenhum outro país do mundo tem na mesma extensão – a Amazônia.
Mas tem também um gabinete de negacionistas da mudança do clima, uma política externa conduzida por alguém que fez por merecer a alcunha de “o pior diplomata do mundo” e uma elite empresarial preocupada com “morte de CNPJ” e que pede mais proteção do governo após a pandemia.
No timão da economia, o fiador do regime fala em sair da crise da Covid dobrando a aposta na fórmula econômica que nos deu o “pibinho” de 2019 (alguém se lembra dele?): arrocho, privatizações, desmonte do Estado. Essa singular mente transplantada dos anos 1980 diretamente para 2020 parece embalada por um pensamento mágico segundo o qual repetir estratégias que já deram errado no passado pode fazer com que deem certo no futuro. A ânsia de um “quick fix” deve trazer junto mais desregulação, mais avanço sobre o mercado de terras, mais facilidades para o agronegócio e o setor extrativo mineral, um golpe no licenciamento ambiental para “acelerar” a infraestrutura e mimos para o bichinho de estimação de todos os governos brasileiros desde Vargas: o setor de óleo e gás. Essa agenda não terá oposição do Congresso, que reza pelo mesmo catecismo. Vai lá perguntar no posto Ipiranga o que ele acha do Green Deal.
A combinação desgraçada de crise sanitária, crise climática e sociopatia está contratando para o Brasil sua primeira recessão ambiental. Mais uma vez, o país deixa escapar uma tremenda oportunidade de inserção internacional e de geração de prosperidade dentro de casa. A eleição americana pode catalisar ou atenuar esse problema, mas ele virá. E, para os que acham que a China vai nos salvar, sempre tem aquele meme do Cebolinha guardado em alguma gaveta em Pequim para ser usado no momento certo.
Claudio Angelo nasceu em Salvador, em 1975. Foi editor de ciência do jornal Folha de S.Paulo de 2004 a 2010 e colaborou em publicações como Nature, Scientific American e Época. Foi bolsista Knight de jornalismo científico no MIT, nos Estados Unidos. Lançou, em 2016, pela Companhia das Letras o livro A espiral da morte, sobre os efeitos do aquecimento global, ganhador do Prêmio Jabuti na categoria Ciências da Natureza, Meio Ambiente e Matemática.
Claudio Angelo nasceu em Salvador, em 1975. Foi editor de ciência do jornal Folha de S.Paulo de 2004 a 2010 e colaborou em publicações como Nature, Scientific American e Época. Foi bolsista Knight de jornalismo científico no MIT, nos Estados Unidos. Lançou, em 2016, pela Companhia das Letras o livro A espiral da morte, sobre os efeitos do aquecimento global, ganhador do Prêmio Jabuti na categoria Ciências da Natureza, Meio Ambiente e Matemática.
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