Viagem com criança: como tornar o trajeto tão bacana quanto destino final

02/06/2025

Um tigre que lê gibi, jacarés que passeiam em boias de piscina e hipopótamos que compartilham chá e doces de amendoim. Este é o cenário curioso que o protagonista de Tem um tigre no trem (Companhia das Letrinhas, 2025), de Mariesa Dulak e Rebecca Cobb, encontra no trem que o leva para praia com seu pai. Mas enquanto o menino vive todas essas aventuras e descobre novos (e improváveis) amigos, o pai está totalmente absorto pelo celular - não vê nem o menino, nem a paisagem que desliza pela janela. Talvez ele nem perceba a viagem passar... mas será que isso é mesmo bom?

Ilustração de 'Tem um tigre no trem'

Embarcar em uma aventura com os pequenos nem sempre é fácil: cansaço, imprevisibilidade e quebra na rotina fazem parte dessa jornada. Tá chegando? (Companhia das Letrinhas, 2023), de Aline Abreu, é outro título que brinca com o contexto de viagens a partir da famosa pergunta que as crianças costumam repetir in-can-sa-vel-men-te. Mas quem deseja apenas chegar perde tudo o que fica no caminho - afinal, o trajeto já é, sim, parte da viagem.

E garantir que o percurso seja desfrutado tanto quanto o destino final pode ser um desafio, mas é um caminho promissor no aprendizado e no desenvolvimento das crianças. 

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Não espere chegar: desfrute o processo 

Preparar o terreno antes da viagem e desfrutar o processo pode ajudar os pais nessa jornada. Para Thays Maroni, pedagoga e fundadora do Ludique Educação Domiciliar, empresa especializada em educação infantil domiciliar, a melhor dica para aproveitar o trajeto de uma viagem é curtir o processo. “Vale a pena deixar as crianças animadas, trazendo informação sobre os meios de transporte e sobre os lugares que serão visitados. Por exemplo, falar sobre o avião, trazer perguntas e deixar que a criança as responda quando chegue no local. ‘Como voa o avião?’ E, ao decolar, mostrar as asas e turbinas. A ideia é deixar a criança interessada no processo e não apenas no resultado final”, comenta. 

Thays explica que as crianças não estão acostumadas a receber dopamina, um neurotransmissor ligado ao sistema de recompensas do cérebro, gerando uma sensação de prazer e bem-estar, depois de um longo processo. Elas esperam processos curtos, associados a recompensas quase imediatas - você aperta o botão, a luz do elevador acende; você pede um lanche e em seguida ganha uma banana. Por isso, viagens longas podem ser uma oportunidade não apenas de esperar, mas de vivenciar o cansaço, o desconforto, a demora, para uma recompensa que só chega depois de um processo mais longo.

O que não quer dizer que o trajeto em si não possa se tornar uma experiência nova e interessante. Livros de leitura, de colorir ou lego são ferramentas que podem ajudar a instigar a curiosidade da criança. “O papel dos pais em gerar este interesse é extremamente importante. Por menor que seja a criança é necessário comunicá-la sobre a mudança de rotina e fazê-la se sentir parte desta jornada”, explica Aline Dechandt, psicóloga junguiana, educadora domiciliar, pedagoga e especialista em neurociência. 

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Foque nas necessidades básicas das crianças

Ilustração de 'Tá chegando?', de Aline Abreu

Perto ou longe, o trajeto sempre pode ser divertido - e se tornar uma experiência. Os gatinhos que o digam em Tá chegando? (Companhia das Letrinhas, 2023)

Depois de cuidar do processo pré-viagem, uma das principais áreas de atenção deve ser atender às necessidades básicas da criança. “Sou capaz de mudar o itinerário de uma viagem longa caso consiga um voo noturno;  isso pode salvar a vida de pais de filhos de até cinco anos. Garantir que a criança durma no horário que ela está acostumada já minimiza inúmeros estresses”, explica Nathalia Gomes, fundadora do Kids2gether, blog e aplicativo que busca motivar os pais a viajar com crianças. A plataforma também realiza roteiros de viagem em parceria com a agência Stella Barros. “A gente sabe que a criança não está no seu local mais confortável, então também é dever dos pais embarcarem nessa aventura com o modo avião da mente ativo e peito aberto”, ressalta. 

Fazer paradas para amamentar e para trocar fralda, mover o corpo e manter a alimentação frequente são pontos de atenção. “Até dois anos, olhar para o sono e para a alimentação é fundamental para evitar que os pequenos sofram com os longos trajetos. É importante se preparar para mudanças bruscas na temperatura, como ar condicionado no avião ou a cadeirinha no carro que pode aquecer demais o corpo da criança e deixá-la irritada”, enfatiza Aline. 

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Coloque na mala brinquedos e jogos 

 Garantir ferramentas que auxiliem as crianças a passar o tempo, mas que as mantenham conectadas ao percurso pode parecer desafiador em tempos onde as telas são protagonistas no entretenimento. “Sempre levo uma mochila para cada filho com seus brinquedos; importante que sejam leves e fáceis de carregar e que não emitam sons que possam atrapalhar os demais passageiros. Também levo adesivos gelatinosos que colam e descolam com facilidade do vidro e mantém os menores entretidos. Com os mais velhos, brincamos com cartas ou jogos de memória. É importante lembrar que mesmo quando a criança está impaciente, ela vai se acalmar. Em um voo longo, por exemplo, é possível que ela tenha vários momentos: dormir, conversar, ler, brincar com os pais, etc”, reforça Nathalia, mãe de Mateus e Gabriel (15), João Miguel (9) e Lucas e Rafael (4). 

 Uma brincadeira que funciona para Aline é a mesma que jogava com suas irmãs durante longas viagens de carro: cada integrante da família escolhe uma cor menos óbvia para carros e, ao longo da viagem, cada um conta quantos veículos daquela cor foram vistos. “Esse tipo de jogo funciona bem porque inclui todos da família. Também podemos fazer isso com animais, postos de gasolina, etc. Para os pequenos também gosto de massinha. E, para os mais velhos, fazer um diário de bordo, com fotos ou anotações e colagens”, comenta. 

 

Ilustração de 'Tem um tigre no trem'

Distração ou alienação? As maravilhas que perdemos quando não largamos o celular surpreendem em Tem um tigre no trem (Companhia das Letrinhas, 2025)

 Quanto às telas, Thays aconselha somente para crianças acima de três anos em caso de imprevistos. “Se um voo é cancelado ou se um pneu estoura, por exemplo, sabemos que a criança não deixará de reagir e ela poderá ficar nervosa com a situação. Minha sugestão é conversar com a criança, indicar que houve uma mudança nos planos, que os pais irão resolver e dar a ela a liberdade de escolha sugerindo a tela como uma das opções”. 

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Construa memórias com seus filhos

 Aproveitar a quebra na rotina para criar novos hábitos pode ser uma excelente forma de aproveitar a viagem. “Eu sugiro fazer algo com seus filhos que você não faria normalmente. Por exemplo, sempre que viajamos de carro, optamos por sair antes do nascer do sol para que as crianças desfrutem dessa experiência que não é comum em seu cotidiano. Hoje, elas amam acordar às 4h30 quando vamos viajar porque sabem que verão o céu mudando de cor e a silhueta dos animais que depois ganham vida”, sugere Thays. 

Levar lembranças concretas da viagem também é um caminho para eternizar os momentos vividos. “Fazer uma caixa de lembranças é bem legal. A criança pode guardar o que ela quiser da viagem: desde uma foto impressa até galhos e folhas que são encontrados no chão. As viagens devem ser memórias de família e até podem se tornar tradições”, conclui Aline.  

 

(Texto: Nicole Wey)

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